sábado, 29 de dezembro de 2012

53 | Encomenda


            _Você está achando que a Patrícia matou o Neo? – Roberta diminuiu o tom de voz – Amiga, está é uma acusação gravíssima. Você tem provas disso?
            Flávia ficou como se não houvesse escutado.
            _ Tem? – insistiu a amiga.
            _ Não, ainda.
            _ Como assim ainda? – olhou estranhamente para a amiga – você está procurando incriminá-la?
            _ Não. – tentou desconversar – de jeito nenhum, tenho coisas mais importantes a fazer, como por exemplo, agora. Até mais!
            Flávia saiu sem mais explicações, deixando Roberta sem palavras com a suspeita.
            Longe dali, Patrícia conversava com um homem mais experiente em armações que encontrara através de recomendação de comparsas.
            _ Ouvi muito bem de você! – disse mirando o porte atlético do homem.
            _ As pessoas tem esse costume de falar bem de mim. E falam a verdade, mas você não veio aqui para me elogiar.
            _ Vamos direito ao assunto. Eu comecei um trabalho com um incompetente e ele não fez tudo que eu quis.
            _ Nem todos tem vocação para isso.
            _ Eu queria me vingar de uma pessoa, mas agora mudei plano, são várias.
            _ Mulheres movidas à vingança são perigosas, mas isso está bem rotineiro já. Talvez você esteja assistindo muita novela.
            _ Isso não é novela – falou pausadamente com o tom levemente alterado.
            _ Você é muito jovem pra guardar tanto ódio de alguém, por que não esquece isso e vai viver a vida, mocinha.
            _ Não me trate como criança, meu filho, você fala como se fosse velho, e outra, você não sabe com quem está mexendo.
            _ Nossa! Agora senti firmeza. – mas nem se mexeu da cadeira – o que quer?
            _ Só quero dar um susto em uns desafetos.
            _ Todo esse ódio só para assustar?
            Ela parou e pensou.
            _ Não quero matar ninguém, só quero humilhar.
            _ O que te fizeram?
            Ele pensou se responderia ou não.
            _ Me traíram da maneira mais... – parou como se fosse vomitar de tanto asco – nojenta possível.
            _ Quantas pessoas te traíram?
            Ela o olhou como se a pergunta fosse a mais inconveniente de todas, mas ele tinha isso, gostava de brincar com as palavras.
            _ Me traíram e me humilharam.
            _ E você deixou fazerem tudo isso?
            Ela preferiu manter-se em seu direito de silêncio.
            Ele a compreendeu. Também já havia sido traído, e guardava a mágoa até aquele momento. Sabia que a dor da traição quando se ama é insuportável. Pela troca, pela desonestidade. Sua namorada o havia largado no altar, depois de confessar que amava e tinha um caso com outro homem, na ocasião, seu melhor amigo que a esperava do lado de fora da igreja para fugirem. Depois disso, tornou-se um jovem amargo, mas de vez enquanto quando esquecia ficava normal e voltava a ser o que era um homem alegre e sorridente, amante da vida. Inventou de fazer trabalhos escusos quando num momento de fúria e lembranças viu um homem fazer isso com uma amiga querida demais por ele.
            O homem pensou que estava sendo perseguido por forças espirituais do mal e acabou internado num sanatório. A partir de então era conhecido no submundo como o vingador dos traídos, mas ele não gostava desse apelido que tinha sido presente do seu melhor amigo.
            _ O que quer que eu faça?

Alguns dias depois, Daniel estava sentado em frente ao seu computador, quando viu um pedido de amizade em seu perfil no facebook. A pessoa que havia solicitado era Henrique.
            _ Henrique? – se perguntou enquanto clicava na foto – mas eu não... ah! O rapaz do clube! Que legal essa foto.
O jovem estava pendurando em cordas numa belíssima cachoeira, parecia estar se divertindo. Daniel nem percebeu que se demorou no sorriso do garoto. Balançou a cabeça como se saísse de um devaneio e marcou a opção “aceitar”.
            Não se demorou muito para passar para o perfil de Roberta e ver orgulhoso o campo de relacionamento preenchido com “namoro sério”, sorriu e enquanto se preparava para escrever mais uma declaração comum de amor, ouviu o sinal do chat.
            Viu Henrique chamá-lo.
            _ E aí, menino? Está bem da cabeça?
            _ Claro! Sempre fui bom de cabeça e acho até que fiquei melhor depois da pancada.
            _ Que faz?
            _ Nada.
            _ No próximo fim de semana vou descer uma cachoeira que existe entre Pedra Branca e Céu Azul, quer ir? Vai ser bom demais.
            _ Que dia?
            _ Sábado, mas saímos na sexta porque vamos acampar.
            _ Hum.
            _ Anima não?
            _ Claro, nunca desci uma cachoeira. Deve ser bacana!
            _ Com certeza, e essa tem uma altura boa para iniciantes. Você vai gostar.
            _ Beleza. Vamos sim! Está marcado!
            _ Ok. Qualquer outra coisa te fala por aqui mesmo, está bom? Valeu, então!
            _ Até mais!
            Assim que desligou o computador, ouviu alguém bateu na porta e ele autorizou a entrada.
            _ Oi mãe.
            Tereza entrou no quarto, empolgada.
            _ Filho, nós vamos receber uma visita super especial daqui a alguns dias. Sua prima de São Paulo virá nos visitar.
            Daniel a olhou como se não tivesse nada de especial naquilo.
            _ E?
            _ Já tem muito tempo que ela não vem aqui, vocês eram muito pequenos.
            _ Hum, eu não lembro. Será que é por causa da amnésia? – foi irônico.
            _ Não. – disse Tereza como ênfase – Isso já tem muito tempo mesmo.
            Daniel se levantou e beijou a mãe na testa.
            _ Tudo bem dona Tereza. Nós faremos o nosso melhor, está bem. – disse saindo.
            _ Aonde você vai, menino?
            _ Uai, vou à casa de minha namorada.
            A porta bateu antes que Tereza pudesse falar qualquer coisa.
            O carro estava na garagem, mas Daniel preferiu ir a pé apesar de ser um pouco longe, mas havia gostado de andar, dava para pensar na vida ou no pouco que se lembrava dela.
            _ Não me lembrei do meu melhor amigo que passei a vida toda, vou me lembrar dessa prima... – falava para si mesmo.
            Desde que o acidente acontecera, Daniel já havia passado diversas vezes por aquelas ruas e sempre via algo novo. Ele pensara no namoro com Roberta e em tudo que isso tinha trazido. Ricardo havia sumido ninguém sabia seu paradeiro, mas sabia que estava no Brasil ainda.
            Quando viajava nos pensamentos, o tempo passava mais rápido e se viu diante da casa da Roberta.
            Bateu na porta, tocou a campainha, mas ninguém atendeu.
            _ Que estranho! Ela sabia que eu viria.
            Ultimamente o namoro deles estava a todo vapor, mas em alguns momentos Roberta se comportava estranhamente, ele não sabia como explicar. Talvez fosse comportamento estranho que as mulheres têm em alguns momentos. Era compreensível.
            Pegou o celular e ligou para a amada. Ela não atendeu. Coçou a cabeça. E começou o caminho de volta.
            Enquanto pensava em mais coisas da vida, teve a ligeira sensação de que estava sendo seguido. Olhou disfarçadamente para trás e se viu sozinho na rua. Fez um muxoxo e prosseguiu, mas ainda assim a sensação persistia, então parou de súbito e olhou rapidamente para trás. Morreria afirmando que havia visto um vulto se esconder, mas sentiu medo em voltar e verificar. Lembrou dos filmes de terror, em que os personagens ao invés de correrem do perigo, vão para ele.
            _ Não vou cometer essa burrice.
            Enquanto apressava o passo sem olhar para trás, o vulto ficou vendo-o se afastar.
            Chegou diferente em casa. Uma sensação estranha lhe invadia o peito. Resolveu dormir.
            Um grande campo forrado por um vivo tapete verde se estendeu diante dele que não tinha muitos sonhos desde o acidente, mas este lugar ele reconhecia de algum jeito. Ao seu lado, uma bela moça com um vestido com tecido esvoaçante de tão leve. Suas grandes mechas de cabelos dançavam sobre o vento que passava refrescando todo o campo. Era Roberta.
            Ele virou-se para ela, e tentou afagar seus cabelos, ao passar os dedos sobre os fios sedosos, eles se soltaram da cabeça dela de voaram na direção que o vento ia. Ela percebendo que havia ficado careca com seu afago, sorriu docemente, mas ele não conseguiu evitar o espanto.
            _ Olha só o que você me você? Me deixou careca com um carinho. – seu sorriso era mecânico.
            _ Eu... eu... eu... Roberta...
            _ Como você consegue? Você acabou comigo e pensa que está tudo bem? – Seu tom de voz subia drasticamente. Sua pergunta tinha um tom amargurado e exigia uma resposta.
            Quando formulava a resposta, se surpreendeu com Ricardo segurando a outra mão da garota, ele riu cinicamente e a puxou, fazendo a mão dela se soltar da sua, ela nem fez menção de mantê-la. Ele não estava entendendo nada, mas viu a medida que se afastavam o cabelo crescer chegando a altura da cintura da moça.
            _ Não se preocupe. Estou aqui.
            Daniel não o viu se aproximar. Com um sorriso que dizia um monte de coisas que não sabia até o momento, viu Thiago ao seu lado direito. Sentiu-se confortável e estranhamente feliz. Estava pleno de alguma forma.
            _ Não estou entendendo nada! – confessou.
            _ Não se preocupe – repetiu – Estaremos juntos sempre.
            Daniel sorria enquanto dormia.

           
Continua...
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sábado, 15 de dezembro de 2012

52| Soluções


           Roberta viu as mechas de seus cabelos voarem pelo quarto e ficou atordoada sem saber o que fazer. Sua mãe havia saído, e se viu só. Em sua cabeça havia vários tamanhos de cabelos que foi cortado de maneira tosca e cruel, nenhum profissional conseguiria recuperar em um corte decente o que sobrara.
            Com a mão tremendo ligou para Flávia que chegou rapidamente e se assombrou com o que viu, ela já sabia quem tinha feito aquilo, mas tentou não falar nada.
            _ Como isso aconteceu, gente? – Flávia perguntou.
            Roberta, que já tinha chorado aos montes, estranhou a amiga que ao invés de culpar alguém o que normalmente aconteceria, se perguntou por quem.
            _ Você não tem nenhuma suspeita? – disse Roberta que não conseguia parar de pegar nos tufos sobreviventes e chorar sobre eles.
            _ Não sei! – começou a andar pelo quarto como se procurasse algo – Você dorme de janela aberta?
            _ Não! Só hoje, é que eu ia fechá-la antes de dormir, mas o sono me venceu e aí dormiu aberta, mas isso não acontece, com freqüência.
Ela recebeu uma mensagem no celular. Era Daniel.
            Flávia olhou para casa vizinha e balançou a cabeça negativamente.
            _ Eu tenho uma coisa para te contar. – disse olhando seriamente para a amiga.
            _ E eu como vou encontrar o Daniel desse jeito? Eu não posso perder tudo que consegui fazer por causa disso. Eu juro que mato quem fez isso, mas não sei como posso descobrir.
            _ Eu também, mas antes vamos arrumar esta bagunça e ir direto para um salão. Vamos arrumar uma peruca até esse cabelo crescer. Você sobreviverá de perucas e lenços.
            Roberta não tinha atitude, estava acabada, sua auto-estima estava espalhada pelo quarto, e seguiu a amiga para um salão de beleza.
            _ O que você disse que queria me falar? – perguntou Roberta a caminho do salão.
            _ Eu descobri uma coisa importante. – disse séria – Sobre a Patrícia.
            _ Patrícia? – sorriu Roberta – Acho que é a primeira vez que ouço você falar o nome dela.
            _ Ela nos matará, mesmo se falarmos o nome dela ou não.
            _ Está assistindo muito a Harry Potter. – ria tentando esquecer o cabelo.
            Flávia não riu. Sabia que a Patrícia estava diferente, e mais perigosa. Antes eram somente tramas de colégio, armações de disputas adolescentes, mas agora tudo estava diferente.
            _ O que foi amiga? Está séria, nem riu da piada.
            Chegaram ao salão.
            _ Te explico depois.
Daniel já havia acordado, e estava sorrindo como se tivesse ganhado um presente. Esquecera de tudo que aconteceu porque agora estava namorando a Roberta novamente.
_ Ih! Tenho que ir ao futebol no clube. O pior é que não sei se vou lembrar de todo mundo, mas reintegração é importante. – fez uma cara de tédio – Acho que sou o paciente mais bem aplicado.
Arrumou suas coisas para sair, e ao chegar no clube ninguém chegou para cumprimentá-lo.
_ Já estou vendo que sou bem querido aqui. – disse para si mesmo.
Durante a escolha do time, ficou de fora porque estavam sobrando pessoas e os times tinha sido completados, então ficou como reserva.
_ Eu não queria jogar mesmo, mas desse jeito não dá para socializar com ninguém. Eles nem fazem questão de nada. – levantou-se para ir a lanchonete, decidiu que não jogaria mais – Imaginem o que farão comigo se eu entrar no jogo, quebraram minha perna. Não têm pena de um desmemoriado.
Quando estava atravessava o lado de uma arquibancada aberta para chegar a lanchonete, recebeu uma bolada na cabeça que o fez ficar tonto e desequilibrar.
_ Wow! Desculpa aí cara! – um jogador veio correndo porque o viu sentar, devolveu a bola fazendo sinal para que outro o substituísse – Não foi minha intenção, claro!
_ Não! Não tem problema. – disse de cabeça baixa tentando se recuperar o mais rápido possível.
_ Você está bem?
_ Sim! Só um pouco tonto agora, mas talvez isso me ajude a recuperar a memória que perdi. O médico disse para eu não tentar esse tipo de método, mas não disse para os outros.
_ Ah! Você é o rapaz que...
_ Sim! – previu o que viria, levantando a cabeça para encarar o jogador – Sou o rapaz que sofreu o acidente e perdeu a memória. Não toda memória, claro! Só a parte ruim!
_ Prazer! Sou Henrique!
_ Oi! O meu é...
_ Daniel! Eu sei. Na realidade quem é que não sabe, não é?
_ É! Daniel! – foi se levantar, mas se desequilibrou, sua cabeça começava a doer. – Você chuta forte, não é?
_ Desculpa! Fui salvar o gol e você entrou na frente, aí era tarde demais.
_ Não vem não, Henrique? – gritou um companheiro do banco.
_ Não! Não mais, vou ter que parar agora, só na próxima! – gritou para o companheiro e voltou-se para Daniel – Eu te levo aonde ia, você parece tonto.
_ Nem me conhece e já chega fazendo graça. – disse como se estivesse chateado – Só tenho a cara, mas não sou.
_ Ah! Não é isso! Desculpa se me fiz entender mal.
_ De dez palavras que você fala, oito são desculpa! É melhor não falar mais nada.- riu - Eu vou a lanchonete.
_ Vamos lá! Não quero ser processado por não ter prestado socorro.
Na lanchonete, o Daniel se dirigiu ao balcão para pedir e o Henrique ficou sem saber o que fazer.
_ Ei! – disse Daniel vendo que ele não entrara - Não vai comer nada?
            Henrique fez uma careta como se fosse dizer não, mas aceitou.
            _ Vou tomar um suco então!
            E entrou.
            _ Eu nunca te vi por aqui. – disse o jogador que acabara de sentar-se à mesa próxima a uma coluna.
            _ Eu não vinha aqui com muita freqüência, minha mãe que me disse, mas jogava bola e acho que o pessoal só me aceitava por estima a meu pai, só pode.
            _ Você era tão anti-social assim? Não parece.
            _ Não é? Às vezes me impressiono com a reação das pessoas que me vêem e penso que eu era realmente terrível.
            _ O que você faz, Daniel?
            _ Era futebol, mas o povo nem olha para mim...
            Henrique riu.
            _ Não moço! Quero saber se estuda, trabalha, essas coisas.
            _ Ah! Estudo e vou prestar vestibular para relações exteriores.
            _ Legal! Eu faço educação física e como louco que sou não perco a chance de praticar algum tipo de esporte nas horas vagas.
            _ Vive para o esporte.
            _ Sim, intensamente. Principalmente os radicais.
            _ Eu só vou a academia. Eu não me lembro da última vez que pratiquei outro tipo de exercício.
            Riram. Daniel estava gostando da companhia do Henrique. Era uma coisa que ele estava precisando de um amigo, já que Thiago estava em São Paulo e não tinham tanto contato.
            _ Nossa vida pode ser muito mais saudável e muito mais divertida fora da academia também.
            _ Que tipo de esporte você pratica?
            _ Todos que eu posso e tenho oportunidade. Rappel, Bung Jump, pára-quedismo, trilha, gosto dos esportes de natureza, e quando não costumo sair procuro a natação, vôlei e outros.
            _ Nossa! Como você consegue tempo para tudo isso?
            _ Não faço todos sempre, só quando há oportunidade.
            _ Acho muito legal.
            _ Se quiser, a gente marca um dia para ir numa trilha...
            _ Sério? Eu acampava antes, vi que tenho umas coisas de acampamento lá em casa, mas nada profissional.
            _ Já é um começo, mas tem que ter disposição.
            _ Eu tenho... Eu acho!
            _ Então vamos marcar.
            _ Vamos sim!
            Roberta saía do salão com novos cabelos e pequenos, parecia que havia feito um corte moderno no cabelo, aprendeu um jeito fácil e seguro de usar a peruca, e no fim até gostou. Só não gostou da parte que o cabeleireiro opinou sobre raspar a cabeça, para isso teve que colocá-la de frente ao espelho e mostrá-la a real situação que não era nada agradável.
            _ Ficou linda amiga! – Flávia tentava animá-la de todas as formas – Nem parece peruca.
            _ Sério amiga! Não parece mesmo? – perguntava.
            _ Já menti para você? Claro que não parece.
            _ Que bom hein! Ótimo profissional, e além de tudo nos tornamos amigos!
            _ Sim! Ele é ótimo!
            Quando voltaram para casa de Roberta, a Patrícia saia na porta e as viu.
            _ Vizinha! – disse cinicamente fazendo as meninas pararem – Acordei com um grito hoje, o que foi que aconteceu?
            Roberta olhou para Flávia.
            _ Um rato! Que deve ter vindo do seu quarto! – disse entrando.
            _ Belo corte de cabelo! – gritou rindo para elas que ainda ouviram as risadas distantes.
            _ Que idiota! – disse Roberta.
            _ Está gostando de te ver assim.
            _ Ah, com certeza! Um rato... ai se fosse isso mesmo! – suspirou.
            _ Ela foi o rato, Roberta! – revelou.
            _ Como assim? Você quer dizer que ela entrou no meu quarto e cortou meu cabelo? E como não percebi isso?
            _ Não sei, mas vou descobrir.
            _ Já sei! – Roberta subiu correndo as escadas sendo seguida por Flávia – A água! Foi a única coisa que bebi antes de apagar completamente.
            Ainda havia um resto de água no copo que estava intacto desde o acontecido.
            _ Já sei para que vou levar essa água. – disse Flávia.
            _ Filha da... Arghhhh! – enraivecida – Que ódio! Ela vai me pagar.
            _ Acho que você teve sorte!
            _ Por que sorte?
            _ Sorte de ela não ter te matado.
            _ Como assim Flávia? Que história é essa?
            _ Foi a Patrícia que matou o Neo.
            _ Como é que é?


Continua...
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segunda-feira, 19 de novembro de 2012

51| Relatórios e cortes.


                    Flávia estava esperando a oportunidade de ficar sozinha, sem que ninguém a incomodasse no quarto. No bolso um pen drive de “clientes”, agora veria o que realmente tinha nele.
                    Depois do jantar disse que faria algumas atividades no quarto, então se trancou e colocou o dispositivo no computador. A curiosidade era grande, mas ela tinha medo por algum motivo.
                    As pastas “Daniel Dead”, “Roberta”, “Thiago”, “Flávia” estavam dentro de uma outra que tinha o nome da Patrícia.
                    _ Gente... “Daniel Dead”, ele ia matar mesmo o garoto? Matar... – falava espantada – Isso era o que a Patrícia queria? Ela gostava dele, não?
                    Tentava encaixar as coisas sem ter visto tudo. Todas as pastas tinham arquivos de texto, com o nome de “relatórios”, ela percebeu que para um menino que tinha um quarto tão bagunçado e vivia de roupas folgadas, era bem minucioso e organizado quando se tratava dos clientes. A primeira pasta que abriu foi a do Daniel, e clicou no relatório.

                    Relatório Operação Daniel Dead – Etapas
                   
  1. Contratação: por Patrícia Vieira
  2. Objetivo: Assustar o garoto.
  3. Observação: Viagem para São Paulo fim de semana. (ela conseguiu essa info).
  4. Ação: Tirar freio do carro. (só? Rsrs não!).
  5. Resultado: Acidente bem sucedido.
  6. Pagamento: Em breve.

                    _ Só isso? Apesar de ser terrível, mas eu pensei que... Sei lá... Isso, até eu faço no computador. Quer dizer que a mula manca queria dar um susto no Daniel. Por quê? Do jeito que ele era bruto com ela, até eu daria uns três tapas, mas fazer isso tudo...  Ser mal educado não é motivo suficiente para fazer umas coisas dessas. Isso é tentativa de homicídio. E o menino perdeu a memória. – viu um vídeo, mas não o assistiu.

                    Relatório Operação Roberta – Etapas.

  1. Contratação: por Patrícia Vieira
  2. Objetivo: Criar pânico na dondoca.
  3. Observação: Namorado nunca sai da casa dela. Aff.
  4. Ação: separá-los e assustá-la até ficar doida. (Ela já rasgou as roupas rasgadas da menina, ela é boa nisso!)
  5. Resultado: em processo.
  6. Pagamento: na entrega do serviço.

                    _ Nossa! Foi ela que rasgou as roupas da Roberta no dia do festival! Que safada! Eu sabia! Sabia! Estou ficando assombrada com isso, mas esse menino, ele morreu, então ela deve contratar outro?

                    Relatório Operação Flávia – Etapas.

  1. Contratação: por Patrícia Vieira
  2. Objetivo: Assustar a garota. (Ela odeia de morte essa aqui.).
  3. Observação: Não sei, ainda não tive tempo, mas ajuda num ong.
  4. Ação: sei lá. Humilhá-la de algum jeito
  5. Resultado: Não fiz, estou sem tempo.
  6. Pagamento: Depois da tosa.

                    _ Filha da mãe! Até eu? – disse colocando as mãos nas madeixas loiras e longas – Coitada dela se mexer comigo.

                    Relatório Operação Thiago – Etapas.

  1. Contratação: por Patrícia Vieira.
  2. Objetivo: Afastá-lo do Daniel de qualquer jeito.
  3. Observação: Foi para São Paulo por ele mesmo! (obs.: O Daniel vai vê-lo em SP, acho que esses dois tem coisa).
  4. Ação: Pensando.
  5. Resultado: -
  6. Pagamento: Depois de serviço

                    _ Ela planejou muita coisa contra a gente! E agora que esse menino morreu? Como vai fazer isso? – se perguntava sem resposta.
                    Voltou para a pasta de Daniel e abriu o vídeo. O garoto de roupas folgadas estava sentado numa cadeira, percebia-se que grava sozinho o vídeo.

                    “Acho que está gravando... Hum! Hum! É... esse vídeo é para ser tipo um diário de bordo das operações que faço e claro, uma prova contra esses idiotas que pensam quem me usam ou vão me ter nas mãos qualquer dia desses. É sempre muito óbvio quando eles me chamam para conversar, afinal quem quer andar comigo porque gosta de mim? Só querem mesmo favores. Então, eu cobro mesmo. Já fiz favores para muita gente que não queria viver com o irmão, se sentia insegura com o namorado, o cara pensava que a mina o traía, enfim foram muitos trabalhos, não para trazer o amor em três dias (Risos), mas para mostrar quem realmente mandava na relação. Esses dias, uma pessoa que... eu gosto muito me chamou para conversar, pensei que pela fossa que ela estava ia querer algo comigo, mas ela não fugiu à regra. Não sei de onde ela tirou que eu gostava dela, mas de um jeito ou de outro a vagabunda soube e usou isso para me pedir. Disse que me daria o que eu quisesse se eu desse um susto num carinha que eu andei observando ultimamente, o Daniel que era namorado dela. Nada me tira da cabeça que esse carinha todo cheio de pose de macho é gay. Ele é todo dado para o lado do Thiago que é amigo dele, e agora ainda mais que esse foi para São Paulo. Eu coloquei umas escutas no telefone dele e de dez ligações, oito são para o amigo que nunca atende, mas ele atendeu uma vez dizendo que sentia falta e blá, blá, blá, que era para um dia marcarem e o Daniel ir visitá-lo. Então descobri que o veado deixou o carro na oficina aqui perto e um dia eu cheguei lá e dei um jeito de arrumar o carro dele, liberei o freio e fiz outras arrumações que me certificaria um belo susto. (risos) O susto foi tão bem dado que o veado ficou de coma e perdeu a memória. Quase matei o brabo! Ainda não recebi o pagamento, mas já liguei para patroa e vamos marcar uma coisinha bem especial para comemorar isso, hoje ela ligou meio fria comigo, deve estar nervosa, será que queria que eu o matasse? Se for, agora não será tão difícil”.

            Flávia estava paralisada. Descobriu que a Patrícia havia mandado o Neo fazer tudo aquilo e ainda o havia matado.
                   _ Meu pai do céu. A mula manca é assassina! – disse com os olhos arregalados.
                    O carro de Daniel estava na frente da casa da Roberta, eles estavam namorando do lado de fora, próximos a porta.
                    _ Está ficando tarde, devo ir. – disse entre os beijos – Mas não quero!
                    _ Vai! Vai! Se não ficará muito tarde!
                    _ Está bem! – beijou a namorada. E partiu.
                    Muitas casas estavam com as luzes ligadas, a do lado, e a da frente também. Roberta viu a sombra que a observava da casa da frente e acenou, a sombra entrou.
                    Entrou em casa, estava cansada e sua mãe já havia chegado, pois sua bolsa estava sobre o sofá. Foi à cozinha, conferiu as portas fechadas e subiu para o quarto passando pelo corredor de cima, certificou que a mãe já estava dormindo, desligou a luz e entrou em seu quarto. A janela estava aberta e o vento esvoaçava as leves cortinas.
                    _ Eu não lembro ter deixado as janelas abertas, mas do jeito que dona Antônia é... Deve ter entrado aqui e viu o quarto abafado...
                    Sobre sua cama as opções descartadas da noite, colocou todas novamente no guarda-roupa, foi ao banheiro tirou a maquiagem, colocou um pijama e deitou. No criado-mudo havia um copo com água.
                    _ Nossa! Que mãe cuidadosa eu tenho! Que lindo! Isso me evita muita coisa! – pensou que não precisaria mais descer para buscar água, então tomou um bom gole e dormiu em seguida.
                    As horas passaram, o vento esfriou, e aos poucos todas as luzes da rua se apagaram, em poucas casas se via a luz da tv refletida nas janelas, mas a luz branca de um quarto ligou e iluminou grande parte de uma arvore que dividia o território de duas casas, e como um gato um vulto cruzou o espaço entre elas.
                    _ Boi... Boi... Boi... Boi da cara preta pega essa menina que tem medo de careta... – a visitante noturna cantarolava a canção sussurrando.
                    Seus movimentos eram sutis e cuidadosos. Acendeu a luz do quarto e olhou com pena a presa que dormia profundamente.
                    _ Dorme Cinderela! Dorme que meia-noite sua carruagem se torna uma abóbora!
                    O quarto já conhecia um ensaio frio e cortante que se seguiu.
                    _ Sua safada ordinária! Voltou com meu homem! Se prepare para sofrer.
                    A tesoura partiu em direção aos cabelos da Roberta, e os fios longos e sedosos voavam com o vento, e sem piedade eram cortados e espalhados pelo quarto. Os cabelos castanhos estavam sendo cortados sem que percebesse e ela era virada de um lado para o outro, mas o sonífero que havia tomado havia a derrubado com força total. Agora seus cabelos estavam estirados e espalhados pelo chão, em sua cabeça o que restou foram tufos de todos os tamanhos.
                    _ Antes as roupas, agora o cabelo! Sai da minha vida e da vida do Daniel. – ainda cortou um último pedaço e saiu – levo esse de lembrança.
                    O sol se levantou devagar como se não estivesse com vontade de sair e foi invadindo lentamente a rua e as casas. A janela do quarto de Roberta ainda estava aberta e o sol iluminou os tufos espalhados pelo quarto.
                    Ela se mexeu na cama e se coçou, estava com cabelo no rosto, num gesto costumeiro passou a mão puxando-o para longe do rosto quando percebeu que o cabelo que puxou não criou resistência em ir mais longe do que deveria. Sem abrir os olhos, soltou o cabelo da mão e pegou novamente na cabeça, apalpou e sentiu o cabelo se soltar. Abriu os olhos arregalando-os, viu seu travesseiro cheio de fios soltos e quando se levantou o chão do seu quarto estava repleto de seus cabelos que foram cortados sem pena.
                    Seus olhos se encheram de lágrimas em abundância quando suas mãos passeavam pelos cabelos que restaram em sua cabeça e os percebeu fora do lugar, no chão, em cima do criado-mudo, na frente do espelho que refletia a imagem de uma garota com aspecto terrível sem os longos cabelos com os quais dormira.
                    _ Nãããããããããããão! – gritou com força, acordando a garota da casa vizinha que sorriu e virou escondendo-se sob o edredom.

Continua...
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quarta-feira, 14 de novembro de 2012

50| O início.

                    Flávia estava assistindo tv na sala quando ouviu um barulho em seu quarto. Não deu muita importância, mas o barulho voltou. Ela se levantou e foi ver o que estava acontecendo, a janela do seu quarto estava fechada, mas parecia que a luz entrava de qualquer jeito. Não havia nada.
                    Seguiu em direção ao banheiro e nada, quando voltou ao quarto uma sensação estranha a tomou. Um pavor e um medo repentino fizeram seus pêlos arrepiarem, na cama um jovem estava sentado, trajava roupas largadas e um boné de aba reta, sua cabeça estava baixa com se quisesse esconder o rosto.
                    “Como esse cara entrou aqui?” – se perguntou.
                    _ Eu não vou enquanto não resolver isso. – ele disse. Sua voz era estranha parecia que reverberava num outro ambiente, menos naquele quarto, era muito audível.
                    _ Quem é você e o que faz no meu quarto? – apesar do medo, a voz de Flávia saiu firme.
                    _ Ele não morreu. Eu fiz minha parte do jeito que pediu e o que ganhei? – em tom lastimoso.
                    Flávia não entendia nada, mas sabia que aquele rapaz estava com raiva e parecia arrependido.
                    _ O que você fez? – tentava descobrir.
                    Flávia olhava fixamente para o rapaz tentando ver quem era, o que via de seu rosto era a brancura sepulcral que não era natural. Ele, sem levantar muito a cabeça, olhava de um lado para o outro e não parava de tentar limpar algo que escorria do nariz.
                    _ Meu quarto... Meu quarto é uma bagunça. Meu quarto não é assim.
                    _ Quem é você? – ela insistiu.
                    Parecia que ele não a notava, ela pensou em se aproximar, mas suas pernas não se moviam.
                    _ O que faz aqui? O que faz aqui? – ela foi mais incisiva.
                    Ele para de olhar para os lados, e levantou a cabeça para encará-la.
                    _ Neo! – constatou arregalando os olhos.
                    O rapaz tinha os lábios e as pontas dos dedos azulados, seu olhar estava profundo, não era o mesmo. Do seu nariz escorria um líquido espesso que Flávia considerou sangue, e em seus pulsos marcas de cordas.
                    _ Vim resolver uma coisa. – ele disse.
                    _ O quê? - disse assustada.
                    _ Era só um susto. E foi. Vim parar aqui por nada. Caí numa cilada? Ele está vivo. E eu?
                    _ Quem está vivo?
                    _ Quero justiça.  Só fiz porque achei que ela fosse gostar e assim me amaria.
                    _ Ela quem?
                    Ele limpou o líquido do nariz e voltou a olhar para o quarto.
                    _ Meu quarto não é assim. Ele é todo bagunçado, mas o vídeo está lá. Se ela soubesse o que fiz...
                    _ Vídeo? Que vídeo?
                    _ Me enganou direitinho... – começou a chorar – Mas vou arrumar isso. Mas preciso começar pelo meu quarto. Meu quarto...
                    Acordou suada.
                    Alguns dias depois, o clima em Pedra Branca estava ameno, o céu estava claro sem muitas nuvens e o sol passeava entre elas. Flávia voltava de uma reunião que participara de uma ONG, com ela voltava a Ana, uma colega que trabalhava com ela na ONG, e Mariah.
                    _ Gostei da reunião hoje!
                    _ Menos daquele idiota do Frederico, que nunca concorda com o que digo, que estúpido. – disse Mariah.
                    _ Sei! Estúpido é? Como se a gente não conhecesse essa história, não é Ana?
                    _ Nada a ver. Ele é um idiota. – disse Mariah.
                    _ Um idiota muito gatinho. Ai se eu tivesse um idiota daquele para mim... – disse Ana.
                    _ Ei!
                    _ Está vendo Aninha, achou ruim. - Flávia disse rindo.
                    _ Vem aqui em casa hoje, mais tarde? – disse Mariah parando, pois sua casa era a primeira.
                    _ Fazer? – perguntou Flávia.
                    _ Nada, não é amiga, só conversar.
                    _ Ah, infelizmente, não posso. Tenho um compromisso.
                    _ Ah! E você Flavinha?
                    _ Não sei, vou ver e assim que der te falo.
                    _ Está bem, mas avisa para eu fazer umas coisas.
                    _ Ok. Beijos!
                     Mariah seguiu para casa, enquanto as outras continuavam o caminho. Estavam sem assunto quando o sonho veio a cabeça de Flávia.
                    _ Esses dias, você acredita que eu sonhei com o... Como é o nome?
                    _ O quê?
                    _ O nome do rapaz que foi encontrado morto lá...
                    _ Ah! O Neo...
                    _ Sim! Sonhei com ele, sentado em minha cama, foi assustador... Ele estava todo angustiado e... Foi horrível. Até comentei com a Roberta, mas ela pensou que posso ter ficado impressionada.
                    _ A mãe do Neo precisa de ajuda. – disse a colega do nada.
                    _ Como assim?
                    _ Ela vai se mudar da cidade. Pensa que pode estar sendo perseguida. Coisa de família. Eu ajudá-la na mudança.
                    _ Quero ajudar, posso? – perguntou Flávia.
                    _ Claro! Você os conhece? – perguntou Ana.
                    _ Sim! A mãe dele passava sempre lá em casa vendendo verdura.
                    _ Está bem, hoje à tarde, vamos lá.
                    _ Ok. Nos encontramos na porta dele.
                    Mais tarde se encontraram no local combinado. A fachada da casa de Neo era simples, nada demais poderia se esperar de uma casa muito deteriorada, e sem muitos cuidados.
                    _ Dona Lindinalva, nós chegamos! – disse Ana batendo na porta.
                    Um barulho de dentro da casa se aproximou da porta que abriu. Uma senhora, que tinha no rosto as marcas do tempo, olhou as garotas e as deixou entrar. A sala estava cheia de caixas, mas ainda tinha muita coisa para ser guardada, Flávia não sabia que numa casa daquela caberia tanta coisa.
                    _ Obrigada por terem vindo me ajudar. O pessoal já foi para outra cidade, mas fiquei porque não queria deixar nada para trás. – disse como uma voz rouca de tantos anos gritar na rua as verduras e legumes que vendia.
                    _ Esta é a...
                    _ Flávia, - cortando a apresentação de Ana - filha do Ronald e Francisca, os conheço. Tudo bem?
                    _ Sim! A Ana disse que viria ajudá-la arrumar as coisas, então me dispus a vir. Se não incomodá-la, é claro?
                    _ Não, não! Você não me incomoda em nada.
                    _ Então vou começar pela cozinha. – disse Ana.
                    _ Tem uma coisa que não sei mexer, são aquelas coisas de computador... – a velha parou um instante, lembrou-se do filho – só ele mexia lá.
                    _ A Flávia pode desmontar para senhora, você sabe não é Flávia? – disse Ana.
                    _ Sim, claro! Posso sim! Onde está? – disse Flávia.
                    _ No quarto. No quarto dele. – disse a senhora.
                    Flávia tremeu porque lembrou do sonho.
                    _ Vou lá então.
                    Flávia entrou no quarto escuro, viu uma abertura na parede. Andando com dificuldade, conseguiu chegar até a janela e a abriu.
                    Era um quarto lotado. Uma computador de última geração no canto do quarto, revistas de jogos espalhadas pelo chão, era muita bagunça, as roupas estavam fora do lugar, algumas meias sujas. Havia caixas de tênis empilhadas num canto da parede e pôsteres de bandas.
                    _ Já vi que vou ter muito trabalho. – disse Flávia.
                    A arrumação foi bem penosa, muitos objetos que Flávia nem imaginara que aquele rapaz pudesse ter, coisas caras e aos montes. “Como conseguira aquilo tudo?” – ela pensava.
                    As perguntas sempre vinham acompanhadas de respostas que ela mesma supunha.
                    “Claro que são resultado de seus trabalhos sujos que todo mundo sabia que ele fazia”. – pensava quando viu um pen drive com uma etiqueta “Clientes”.
                    _ Uau! – sussurrou mirando o objeto.
                    _ Flávia? – a voz de Ana vinha chegando, quando rapidamente colocou o pen drive no bolso. A colega apareceu na porta. – E aí?
                    _ Estou impressionada com tanta coisa que esse garoto tinha. – disfarçou.
                    _ E nem parecia não é? – Ana falou baixo. – Quer ajuda?
                    _ Não! Não precisa. Eu dou conta. Vou começar a desmontar o computador e aí se ficar alguma roupa aqui você pode pegar, porque provavelmente não dará tempo disso tudo. – se deu conta de que se contradisse – ah! Você entendeu.
                    _ Sim! – saiu rindo a amiga.
                    Flávia a observou entrar na cozinha e ligou o computador enquanto fingia desmontá-lo, pegou o pen drive e o conectou. As pastas se abriram, e uma lista de nomes conhecidos e desconhecidos apareceu. Flávia leu alguns nomes, mas um lhe chamou a atenção.
                    _ Mula manca? O que ela faz aqui? – olhou para fora do quarto para se certificar que não vinha ninguém, abriu a pasta “Patrícia_s2” – Meu Deus do céu!
                    Dentro da pasta, havia alguns arquivos de fotos e mais outros com os nomes “Daniel Dead”, “Roberta” “Thiago” “Flávia”.
                    _ Ana! – Flávia a chamou no quarto depois de ter desligado e desmontado tudo rapidamente. – Infelizmente vou ter que ir. Minha mãe me ligou dizendo que precisa urgente de mim.
                    _ Tudo bem Flavinha. Você já fez muito.
                    Saiu sem se despedir da velha.
                    No supermercado, Ricardo e Roberta faziam compras.
                    _ Quero te falar uma coisa.
                    _ Fala querida.
                    _ Eu vou visitar o Daniel.
                    _ O quê?
                    _ Eu estava na hora do acidente, e devo isso a ele.
                    _ Nada a ver! Você não precisa fazer e muito menos deve nada a ninguém. Pelo contrário, ele quem te deve.
                    _ Deixa de idiotice, é só uma visita.
                    _ Idiotice? Você acha que sou um idiota por não querer ver minha namorada visitando seu ex.
                    Roberta respirou fundo como se puxasse paciência.
                    _ Ricardo, eu acho que você só está sendo um pouco imaturo para encarar que um acidente aconteceu, eu estava presente e que independente dele ser ou não meu ex eu deveria visitá-lo.
                    _ Agora sou eu o imaturo. Quando aquele idiota armou contra a gente, foi eu que tomei a decisão imatura de desistir de quem amava sem primeiro conversar ou nem sequer ouvi-lo. – aumentou o tom de voz, ligeiramente irritado. Algumas pessoas no corredor olharam e despistaram.
                    _ Você disse que havia me perdoado por isso... – ela disse magoada.
                    _ Eu perdoei, mas não esqueci.
                    Ela o olhou ainda mais magoada ainda.
                    _ Vai ficar jogando na minha cara uma escolha errada que eu fiz?
                    _ Não. Você não merece isso.
                    _ Por que você está assim agora?
                    _ Você não para de falar desse idiota?
        _ Ricardo, ele é só meu amigo, não tem nada a ver.
_ Amigo? Amigo? Era para ele ter...
                    _ Como assim? O que você quer dizer com isso?
                    _ Nada...
                    _ Ricardo, foi você que... Não acredito! – disse Roberta.
                    _ Não! Claro que não! Você está louca! Jamais faria isso.
                    Daniel acabava de entrar no supermercado. A garota o viu de relance se aproximar deles sem que os reconhecesse.
                    _ Eu quero muito te explicar uma coisa, mas você tem que acreditar em mim. – disse ela olhando nos olhos dele e olhando para Daniel que se aproximava - Confia em mim, pelo amor de Deus.
                    _ Explicar o quê? Do que é que você está falando? – perguntou sem entender.
                    Quando Daniel chegou mais perto a viu e a cumprimentou discretamente, pois viu o namorado. Ela fez o mesmo para que Ricardo percebesse, mas se insinuou demais.
                    O rapaz loiro olhou para trás e viu o oponente ainda rindo com a mão levantada acenando, a qual baixou ligeiramente, pois sabia do ciúme dele para com Roberta.
                    Ricardo, diante da acusação de Roberta sobre sua imaturidade, procurou manter-se calmo.
                    _ Vamos! – disse ele.
                    _ Espera. Vou ali falar com o Dani.
                    _ “Dani”?
                    Quando ela passou por ele em direção ao Daniel, Ricardo a segurou com força pelo braço.
                    _ O que é isso? – o sorriso dela passou de simpatia para reprovação.
                    _ Eu quem pergunto: O que é isso? Acha que sou idiota? – perguntou sério.
                    _ Me solta , você está me machucando. – disse com cara de assustada.
                    Quando ela percebeu que ele ia soltá-la, puxou o braço.
                    _ Me solta. – falou mais alto.
                    Daniel se aproximou.
                    _ Roberta, tudo bem aí?
                    _ Ninguém te chamou na conversa. – Ricardo perdendo o controle.
                    _ Perdão, não falei com você. – desviou a atenção para a moça.
                    _  Mais ou menos. – ela disse.
                    _ Você sempre aqui para atrapalhar minha vida. Por que isso Daniel? Por quê?
                    _ Ricardo, não tem nada a ver. – disse Roberta.
                    _ Você estava quase agredindo a moça! – Daniel a abraçou e Ricardo não se conteve mais. Empurrou Roberta para um lado e socou o rosto de Daniel.
                    _ Para! Para Ricardo. – Roberta tentou separá-los, mas Daniel se jogou em cima de Ricardo e bateu no ouvido dele. Os seguranças do supermercado chegaram e os afastaram.
                    _ Se afasta de minha namorada.
                    _ Cala a boca! – gritou Roberta. – Sai daqui. Vai para casa. Vai! Vai!
                    _ Você vai ficar com ele? É com ele que você vai ficar? – ele esbravejava e o supermercado estava assistindo a cena.
                    _ Vai para casa Ricardo. – dizia ela.
                    _ Vocês se merecem, não sei como pude acreditar em você. – as lágrimas desceram pelo rosto do loiro e desapareciam na barba. – Você ama escolhas erradas. Acho que sou um idiota sim!
                    Saiu correndo e chorando.
                    _ Obrigado seguranças. – virou –se para Daniel – Você está bem?
                    _ O que ele tem? – perguntou Daniel com a boca sagrando.
                    _ Acho que ele ficou nervoso porque acabei de terminar com ele.
                    Daniel esqueceu do sangue que escorria da boca.
                    _ Sério?
                    _ É... – fingindo não ver a empolgação do rapaz, começou a limpar-lhe a boca com um lenço. – Você está bem?
                    _ Estou.
                    _ Eu agora tenho que voltar para casa agora, depois eu passo em sua casa. Até mais. – levantou-se, puxou o carrinho e saiu.
                    Daniel sorriu e procurou o que tinha que comprar no supermercado. O telefone tocou e ele atendeu uma ligação.
                    _ Alô!
                    _ Sr. Daniel, quem fala é o Alfredo, advogado que você contratou para aquele caso.
                    Daniel não fazia ideia do quem era e do que estava falando, mas fingiu entender.
                    _ Sim! Como estão as coisas?
                    _ Boas notícias. Os criminosos foram encontrados, reconhecidos e presos.
                    _ Sim! E?
        O advogado esperava um agradecimento pelo esforço, mas prosseguiu.
        _ Tenho um relatório completo do caso.
                    _ Me mande por email com os honorários.
                    _ Ok!
                    _ Do que é que ele está falando? – Daniel não entendeu nada.
                    Depois que comprou o que precisava, uma sms do mesmo número que havia ligado dizia que o email já havia sido encaminhado.
                    Daniel entrou no quarto e sentou-se em frente ao computador para ver o e-mail do tal advogado, mas o celular tocou novamente.
                    _ Nossa! Você não pára! – olhou e viu o nome de Roberta. – Oi!
                    _ Olá! É... Eu estou ligando para pedir desculpas pelo comportamento do Ricardo, ele é muito imaturo.
                    _ Esqueça-o. Você está bem?
                    _ Sim! Eu fico pensando o que deu em mim para namorar um cara tão imaturo.
                    _ A falta de alguém melhor.
                    _ Foi isso que pensei.
                    _ Talvez agora isso não seja mais problema.
                    _ Você lê meus pensamentos.
                    _ Quer sair comigo?
                    _ Ah! Não sei... Acabei de terminar, não sei se pega bem.
                    _ Como amigos, claro!
                    _ Ah! Assim tudo bem!
                    _ Te pego hoje à noite!
                    _ Ok! Estou esperando.
                    Ele deitou-se na cama sorrindo como se estivesse no céu. Ela mudara muito. Talvez nunca o esquecera e usava o Ricardo apenas para tentar tirá-lo da cabeça. Agora seria dele de novo.
                    “O amor sempre vence!” – ele pensou.
                    Parecia que o resto do dia havia se arrastado e enfim a noite chegou. Daniel passou de carro na casa de Roberta, observou que as luzes da casa do Ricardo estavam acesas, então se aproximou devagar.
                    _ Que bom que veio. – Roberta disse ao sair rapidamente de casa.
                    O carro arrancou e uma sombra na casa da frente entrou.
                    No restaurante que tinham o costume de almoçar quando namoravam se olhavam sem parar, Daniel criou coragem e pegou na mão da Roberta que não resistiu.
                    _ O Thiago me contou o que fiz com você. – ele queria mesmo sem memória colocar tudo em pratos limpos.
                    _ Dani, não é necessário lembrar disso. O passado não importa mais. – dizia calma.
                    _ Não! O que fiz foi realmente inescrupuloso e sem coração, não me importei com o que você sentia e não sei como pagar pelo sofrimento que te causei.
                    _ Não quero falar sobre isso. – já se sentia afetada e tinha medo de desistir do que pretendia então o beijou repentinamente tirando o fôlego. Ele ficou sem resposta.
                    _ Uau. Está do mesmo jeito. – ela disse.
                    _ Quero mais. – ele disse beijando-a com desejo. – Namora comigo?
                    _ Não sei. Você pode me deixar de novo.
                    _ Jamais. Fui louco em te deixar.
                    _ Promete?
                    _ Prometo!
                    _ Então é sim!
                    Roberta estava feliz.
                       
Continua...
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