sábado, 29 de dezembro de 2012

53 | Encomenda


            _Você está achando que a Patrícia matou o Neo? – Roberta diminuiu o tom de voz – Amiga, está é uma acusação gravíssima. Você tem provas disso?
            Flávia ficou como se não houvesse escutado.
            _ Tem? – insistiu a amiga.
            _ Não, ainda.
            _ Como assim ainda? – olhou estranhamente para a amiga – você está procurando incriminá-la?
            _ Não. – tentou desconversar – de jeito nenhum, tenho coisas mais importantes a fazer, como por exemplo, agora. Até mais!
            Flávia saiu sem mais explicações, deixando Roberta sem palavras com a suspeita.
            Longe dali, Patrícia conversava com um homem mais experiente em armações que encontrara através de recomendação de comparsas.
            _ Ouvi muito bem de você! – disse mirando o porte atlético do homem.
            _ As pessoas tem esse costume de falar bem de mim. E falam a verdade, mas você não veio aqui para me elogiar.
            _ Vamos direito ao assunto. Eu comecei um trabalho com um incompetente e ele não fez tudo que eu quis.
            _ Nem todos tem vocação para isso.
            _ Eu queria me vingar de uma pessoa, mas agora mudei plano, são várias.
            _ Mulheres movidas à vingança são perigosas, mas isso está bem rotineiro já. Talvez você esteja assistindo muita novela.
            _ Isso não é novela – falou pausadamente com o tom levemente alterado.
            _ Você é muito jovem pra guardar tanto ódio de alguém, por que não esquece isso e vai viver a vida, mocinha.
            _ Não me trate como criança, meu filho, você fala como se fosse velho, e outra, você não sabe com quem está mexendo.
            _ Nossa! Agora senti firmeza. – mas nem se mexeu da cadeira – o que quer?
            _ Só quero dar um susto em uns desafetos.
            _ Todo esse ódio só para assustar?
            Ela parou e pensou.
            _ Não quero matar ninguém, só quero humilhar.
            _ O que te fizeram?
            Ele pensou se responderia ou não.
            _ Me traíram da maneira mais... – parou como se fosse vomitar de tanto asco – nojenta possível.
            _ Quantas pessoas te traíram?
            Ela o olhou como se a pergunta fosse a mais inconveniente de todas, mas ele tinha isso, gostava de brincar com as palavras.
            _ Me traíram e me humilharam.
            _ E você deixou fazerem tudo isso?
            Ela preferiu manter-se em seu direito de silêncio.
            Ele a compreendeu. Também já havia sido traído, e guardava a mágoa até aquele momento. Sabia que a dor da traição quando se ama é insuportável. Pela troca, pela desonestidade. Sua namorada o havia largado no altar, depois de confessar que amava e tinha um caso com outro homem, na ocasião, seu melhor amigo que a esperava do lado de fora da igreja para fugirem. Depois disso, tornou-se um jovem amargo, mas de vez enquanto quando esquecia ficava normal e voltava a ser o que era um homem alegre e sorridente, amante da vida. Inventou de fazer trabalhos escusos quando num momento de fúria e lembranças viu um homem fazer isso com uma amiga querida demais por ele.
            O homem pensou que estava sendo perseguido por forças espirituais do mal e acabou internado num sanatório. A partir de então era conhecido no submundo como o vingador dos traídos, mas ele não gostava desse apelido que tinha sido presente do seu melhor amigo.
            _ O que quer que eu faça?

Alguns dias depois, Daniel estava sentado em frente ao seu computador, quando viu um pedido de amizade em seu perfil no facebook. A pessoa que havia solicitado era Henrique.
            _ Henrique? – se perguntou enquanto clicava na foto – mas eu não... ah! O rapaz do clube! Que legal essa foto.
O jovem estava pendurando em cordas numa belíssima cachoeira, parecia estar se divertindo. Daniel nem percebeu que se demorou no sorriso do garoto. Balançou a cabeça como se saísse de um devaneio e marcou a opção “aceitar”.
            Não se demorou muito para passar para o perfil de Roberta e ver orgulhoso o campo de relacionamento preenchido com “namoro sério”, sorriu e enquanto se preparava para escrever mais uma declaração comum de amor, ouviu o sinal do chat.
            Viu Henrique chamá-lo.
            _ E aí, menino? Está bem da cabeça?
            _ Claro! Sempre fui bom de cabeça e acho até que fiquei melhor depois da pancada.
            _ Que faz?
            _ Nada.
            _ No próximo fim de semana vou descer uma cachoeira que existe entre Pedra Branca e Céu Azul, quer ir? Vai ser bom demais.
            _ Que dia?
            _ Sábado, mas saímos na sexta porque vamos acampar.
            _ Hum.
            _ Anima não?
            _ Claro, nunca desci uma cachoeira. Deve ser bacana!
            _ Com certeza, e essa tem uma altura boa para iniciantes. Você vai gostar.
            _ Beleza. Vamos sim! Está marcado!
            _ Ok. Qualquer outra coisa te fala por aqui mesmo, está bom? Valeu, então!
            _ Até mais!
            Assim que desligou o computador, ouviu alguém bateu na porta e ele autorizou a entrada.
            _ Oi mãe.
            Tereza entrou no quarto, empolgada.
            _ Filho, nós vamos receber uma visita super especial daqui a alguns dias. Sua prima de São Paulo virá nos visitar.
            Daniel a olhou como se não tivesse nada de especial naquilo.
            _ E?
            _ Já tem muito tempo que ela não vem aqui, vocês eram muito pequenos.
            _ Hum, eu não lembro. Será que é por causa da amnésia? – foi irônico.
            _ Não. – disse Tereza como ênfase – Isso já tem muito tempo mesmo.
            Daniel se levantou e beijou a mãe na testa.
            _ Tudo bem dona Tereza. Nós faremos o nosso melhor, está bem. – disse saindo.
            _ Aonde você vai, menino?
            _ Uai, vou à casa de minha namorada.
            A porta bateu antes que Tereza pudesse falar qualquer coisa.
            O carro estava na garagem, mas Daniel preferiu ir a pé apesar de ser um pouco longe, mas havia gostado de andar, dava para pensar na vida ou no pouco que se lembrava dela.
            _ Não me lembrei do meu melhor amigo que passei a vida toda, vou me lembrar dessa prima... – falava para si mesmo.
            Desde que o acidente acontecera, Daniel já havia passado diversas vezes por aquelas ruas e sempre via algo novo. Ele pensara no namoro com Roberta e em tudo que isso tinha trazido. Ricardo havia sumido ninguém sabia seu paradeiro, mas sabia que estava no Brasil ainda.
            Quando viajava nos pensamentos, o tempo passava mais rápido e se viu diante da casa da Roberta.
            Bateu na porta, tocou a campainha, mas ninguém atendeu.
            _ Que estranho! Ela sabia que eu viria.
            Ultimamente o namoro deles estava a todo vapor, mas em alguns momentos Roberta se comportava estranhamente, ele não sabia como explicar. Talvez fosse comportamento estranho que as mulheres têm em alguns momentos. Era compreensível.
            Pegou o celular e ligou para a amada. Ela não atendeu. Coçou a cabeça. E começou o caminho de volta.
            Enquanto pensava em mais coisas da vida, teve a ligeira sensação de que estava sendo seguido. Olhou disfarçadamente para trás e se viu sozinho na rua. Fez um muxoxo e prosseguiu, mas ainda assim a sensação persistia, então parou de súbito e olhou rapidamente para trás. Morreria afirmando que havia visto um vulto se esconder, mas sentiu medo em voltar e verificar. Lembrou dos filmes de terror, em que os personagens ao invés de correrem do perigo, vão para ele.
            _ Não vou cometer essa burrice.
            Enquanto apressava o passo sem olhar para trás, o vulto ficou vendo-o se afastar.
            Chegou diferente em casa. Uma sensação estranha lhe invadia o peito. Resolveu dormir.
            Um grande campo forrado por um vivo tapete verde se estendeu diante dele que não tinha muitos sonhos desde o acidente, mas este lugar ele reconhecia de algum jeito. Ao seu lado, uma bela moça com um vestido com tecido esvoaçante de tão leve. Suas grandes mechas de cabelos dançavam sobre o vento que passava refrescando todo o campo. Era Roberta.
            Ele virou-se para ela, e tentou afagar seus cabelos, ao passar os dedos sobre os fios sedosos, eles se soltaram da cabeça dela de voaram na direção que o vento ia. Ela percebendo que havia ficado careca com seu afago, sorriu docemente, mas ele não conseguiu evitar o espanto.
            _ Olha só o que você me você? Me deixou careca com um carinho. – seu sorriso era mecânico.
            _ Eu... eu... eu... Roberta...
            _ Como você consegue? Você acabou comigo e pensa que está tudo bem? – Seu tom de voz subia drasticamente. Sua pergunta tinha um tom amargurado e exigia uma resposta.
            Quando formulava a resposta, se surpreendeu com Ricardo segurando a outra mão da garota, ele riu cinicamente e a puxou, fazendo a mão dela se soltar da sua, ela nem fez menção de mantê-la. Ele não estava entendendo nada, mas viu a medida que se afastavam o cabelo crescer chegando a altura da cintura da moça.
            _ Não se preocupe. Estou aqui.
            Daniel não o viu se aproximar. Com um sorriso que dizia um monte de coisas que não sabia até o momento, viu Thiago ao seu lado direito. Sentiu-se confortável e estranhamente feliz. Estava pleno de alguma forma.
            _ Não estou entendendo nada! – confessou.
            _ Não se preocupe – repetiu – Estaremos juntos sempre.
            Daniel sorria enquanto dormia.

           
Continua...
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