sexta-feira, 31 de agosto de 2012

16| De volta ao passado


            O sol já ia alto. Roberta abriu os olhos como que se por obrigação enrolada num lençol azul claro, tentava reconhecer o local onde estava, parecia que o sono havia tirado sua consciência. Era um quarto conhecido, com papel de parede listrado, algumas pilhas de cds ao lado de um computador.
            _ Flávia! – chamou uma primeira vez sem forças – Flávia!
            _ Oi! – a voz rouca da amiga respondeu ao lado – Estou aqui não precisa gritar.
            _ Eu não gritei! Mortos não gritam...
            _ Hum! O que é?
            _ Nada! Pensei que não estivesse aqui!
            _ Ah está bom! Então volta a dormir...
            _ Gente que preguiça para levantar, eu não me agüento!
            _ Foi bom demais, hein?
            _ Bom foi pouco, foi demais!                                                                                                                     
            _ Nossa! Você num está falando nada com nada... – riu Flávia.
            Dormiram de novo.
            Três e trinta da tarde. Flávia voltou do banheiro e entrou no quarto, viu a amiga penteando os cabelos em frente a penteadeira, então, sentou-se na cama e lhe passou algumas coisas que já tinha vivido com a amiga.
            _ Já passamos por muita coisa não é mesmo, amiga!
            _ E como!
            _ Deixa eu te perguntar, quando Daniel terminou contigo, você procurou o Thiago?                          
            _ Para quê? – continuava penteando.
            _ Sei lá... Ele não tinha motivo para beijá-la. Nunca o vi de olho em você e nunca te cantou. Achei esquisito. Isso ainda me intriga às vezes.
            _ Por que isso agora? – virou para a amiga curiosa – como se importasse, eu e o Ricardo estamos juntos e não me importa mais.
            _ Eu sei, mas desconfio ligeiramente que o Daniel tenha armado isso.
            _ Você acha?
            _ Conhecendo o Daniel do jeito que conheço, sem dúvidas. Sem contar que ouvi esses dias a mula manca falando que ele já fez diversas coisas para se livrar do que o incomodava e tinha nela uma aliada. Que ela gosta dele todos sabem, mas que coisas ele já pode ter feito?
            Roberta parou de se pentear, lembrando-se de um detalhe.
            _ Naquela noite foi ela quem disse que o Thiago queria conversar sério comigo, sobre o Daniel.
            Flávia fez cara de “não estou dizendo!”, e Roberta simplesmente disse:
            _ É passado e quem vive de passado é museu. Se foi ele quem armou, problema dele. Conseguiu o que queria. Me perdeu. Apesar de que eu chorei uma noite toda por causa dele não é?
            _ Então...       
            _ Eu me lembro de ter ligado para o Thiago para ele dizer ao Daniel que tudo foi engano, mas ele não atendeu.
            _ Pois é...
            _ Será que ele fez tudo isso só para terminar comigo? Por que não chegar logo para me falar? Me senti tão, tão... Sei lá... Desesperada por causa dele. Como podemos fazer par descobrir se realmente foi armado?
            _ Fácil! Vamos nos aproximar de quem pode nos contar.
            _ Quem? Patrícia? – gargalhou – duvido!
            _ Não! Do Thiago! – disse Flávia como se tirasse uma carta da manga.
            _ Se a Patrícia, não falaria, imagine o Thiago. E outra, isso mudaria o que em minha vida? Nada! Como já disse, estou com o Ricardo e para mim tanta faz. Daniel pode morrer.
            _ É aqui que eu quero chegar. Porque não mudaria agora, mas mudou antes. Você não acha essa situação muito parecida com outra não?
            _ Nossa! Hoje você acordou meio investigadora, não é?
            _ Um pouco! Lembra ou não?
            _ Hum... Eu devia lembrar não é?  - disse Roberta meio constrangida.
            _ Sim! Devia. – sem paciência - Mas te lembrarei... O que aconteceu que te impediu que você ficasse com o Ricardo da primeira vez?
            _ A mula manca estava agarrada com ele, e o Daniel quem me mostrou... É verdade! Gente, não acredito numa coisas dessas não! Filha da...
            _ Quando eu digo que você não presta atenção nas coisas, você pensa que eu que estou ficando doida...
            _ Flávia, mas tudo isso é suposição. E se não for? Como saberemos?
            Respirando fundo, a amiga disse:
            _ Thiago! Nos aproximaremos dele.
            _ O Ricardo não pode saber disso.
            _ Não saberá. Nós poremos um ponto final nesta história em breve.
                                                          

Continua...
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quinta-feira, 30 de agosto de 2012

15| Telefone sem fio.


            A cena deprimente que Daniel via, o enojava e ao mesmo tempo, o afligia. Thiago estava desacordado em seu colo, e não conseguia pensar em um único jeito de pedir socorro, num lugar tão distante.
            _ O celular! – achou-se estúpido por não ter lembrado antes, mas eram tantos pensamentos e sentimentos que não conseguia raciocinar – espera um pouco meu amigo, espera um pouco...
            Estava tão trêmulo que não conseguia discar os três números de emergência.
            _ Ai que raiva!
_ Emergência!
_ Alô, emergência! Por favor, pelo amor de Deus, meu amigo foi assaltado e eu o achei todo ferido e ensangüentado aqui no festival de inverno, moça a gente precisa de ajuda urgente, ele está inconsciente.
            _ Me passe a localização correta.
            _ Estamos no mato ao lado bem próximo do estacionamento da arena do festival de inverno. Ala V17.
            _ A unidade móvel do festival de inverno foi informada e já está se direcionando ao local. Peço por gentileza, que mesmo sendo difícil, mantenha a calma e espere pela ajuda.
            _ Calma, amigo, calma! A ajuda está chegando! Fica forte! Eu estou aqui.
            Daniel viu uma luz se passar e parar mais a frente.
            _ Aqui! Aqui!
            Os paramédicos passaram com dificuldade pelo mato, mas chegaram rápido, Thiago estava deitado e desacordado coberto pela camisa do Daniel que chorava silenciosamente. Prestaram os primeiros socorros e imobilizaram o jovem ferido e o puseram na ambulância. Daniel os seguiu para dar depoimento a polícia.
            Foi uma noite estafante para Daniel. Por sorte, os documentos do Thiago estavam próximos ao local do crime. Voltando da delegacia, passou por um supermercado vinte e quatro horas para comprar alguma coisa de comida e bebida, no corredor de mídias lembrou-se do amigo, não demorou muito, chegou onde o Thiago estava internado.
No apartamento do Hospital Geral da cidade, cansado sobre o sofá, Daniel não conseguia dormir. A tv do quarto estava desligada, a todo o momento ia até a cama para ver o amigo. O rosto arranhado e alguns hematomas marcavam o rosto do Thiago.
 Já eram onze da manhã e pelo que ele contava já estava quase na hora de irem para casa. 
            _ O que é que eu vou falar par avó Zita, meu Deus? – falou num tom baixo.
            _ Nada! – disse a voz rouca que assustou Daniel – Não é preciso dizer nada não, meu amigo.
            Levantou-se de súbito quando percebeu o amigo acordado.
            _ Thiaguinho... – os olhos marejaram de novo – Como você está meu querido? Como se sente?
            _ Para ser sincero?
            _ Sempre!
            _ Horrível! Minha boca tem um gosto ruim. – sorriu devagar
            _ Dói alguma coisa?
            Thiago tentou se mexer e parou de imediato.
            _ Sim! Dói! Minhas costas estão doendo muito, minha cabeça também dói, e... Está doendo mesmo!
            Daniel apertou a campainha e uma enfermeira apareceu.
            _ Ele acordou.
            _ Olá, Thiago! Meu nome é Sandra, sou a enfermeira responsável por você. Como se sente?
            _ Oi, sra. Sandra.
_ Só Sandra, por gentileza.
_ Está bem, Sandra. Minha cabeça e meu corpo doem está muito incômodo. Minha boca tem um gosto ruim e esquisito também.
_ Sei... – analisava o prontuário – As dores são normais, porque no assalto, os bandidos te bateram muito e o gosto ruim na boca é por causa da medicação.Vou pegar uns medicamentos para dores e volto.
Sandra saiu.
_ Não é necessário falar como minha avó sobre o que aconteceu.
_ Thiago, você foi vítima de um crime. De jeito nenhum ela tem que saber. – disse Daniel indignado.
_ Sou eu quem está pedindo. Então, por favor, respeite minha vontade.
_ Tudo bem. Se é assim que você quer.
_ Então você vai ficar lá em casa. Até ficar bem melhor.
_ Está certo, aceito.
_ Precisamos ligar para ela, deixa que eu ligo.
Pegou o telefone e discou o número da casa do Thiago.
_ Alô! – disse a voz conhecida do outro lado da linha.
_ Minha avó, oi!
_ Oi! É o Daniel, não é?
_ Sim! Sou eu, minha avó. Tudo bem?
_ Estou bem, meu filho, como está o Thiago?
_ O Thiago – olhando-o com expressão – Está bem. Está aqui comigo, não bem comigo na realidade, está no banheiro agora.
_ Ah está bem! Meu coração apertou hoje, e temi que alguma coisa tivesse acontecido com vocês.
_ Pois então – cortou Daniel – Estou ligando para saber se o Thiago pode passar essa semana lá em casa. Meus pais vão viajar e é ruim ficar só lá em casa.
_ Daniel, não precisa pedir essas coisas. Claro que pode!
_ E a senhora, está tudo bem aí?
_ Claro! Estou fazendo tudo já.
            _ Eita coisa boa, não é? Então está ótimo, um beijo e assim que chegarmos em casa nos avisamos.
            _ E as roupas do Thiago para ir para sua casa, menino?
            _ Precisa não, ele usa uma minha lá! Viu? Beijo.          
            _ Daniel, estou quase crendo que você está me escondendo alguma coisa.
            _ Oi, como assim? – tremeu a voz – o que eu esconderia?
            _ Acho que quem tem que falar isso é você! Você não está me escondendo nada não, não é mesmo? Vocês fizeram coisa errada?
            _ O que é isso, minha avó? De modo nenhuma, nada disso.
            _ Ai! Ai!
            _ Era só isso?
            _ Só! Um beijo e cuidem-se! Tchau!
            _ Beijão! – desligou o celular e respirou – Ufa! Esta velha parece que tem sexto sentido, nossa!
            _ Você não viu nada. Ela é tensa demais! E essa desculpa de seus pais viajando?
            _ E estão mesmo! Agora, descansa aí, os resultados dos exames, saem, mais tarde e à noite retornaremos para casa.
            _ Deixa eu te perguntar uma coisa.
            _ Fala.
            _ O que é que você estava fazendo por ali? Não era para você está lá dentro?
            Daniel se lembrou do motivo que o levara ao estacionamento, percebeu que a essa hora Ricardo e Roberta estariam longe, em suas casas, sem ao menos saber pelo que estava passando ou o que poderiam passar se nada daquilo acontecesse. Sentiu-se um idiota.
            _ Para ser sincero?
            _ Sempre!
            _ Porque sou um idiota! Um burro que não tem se quer noção do que quer e não pensa nas coisas que faz. – sentiu-se envergonhado - Estava gastando minha vida por causa dos outros.
            Thiago abaixou o rosto.
            _ Mas você como sempre não deixou eu fazer uma besteira.
            _ Ainda bem. –fechou os olhos tentando descansar.
            “Às vezes, o amor dura, mas às vezes ao invés disso ele nos fere.” – Daniel lembrou do que o amigo disse no carro.
            Mais à noite, Thiago recebeu alta e ambos voltaram para a casa de Daniel. No caminho de volta se repetiu o silêncio da ida apesar de terem assunto, mas esse era muito desagradável. Daniel perguntou se havia algum incomodo, Thiago apenas balançou a cabeça indicando um pouco de desconforto. Na esperança de melhorar o ambiente para o amigo, ligou o som e pôs um cd.
            _ Comprei para você, podemos ouvi-lo durante a volta?
            _ Você não me mostrou, nem me falou na realidade sobre este cd. Quem canta?
            _ Vamos ver!
            Uma voz feminina aveludada e muito agradável encheu o carro. Thiago não pode conter o sorriso.
            _ Ah, não acredito! Daniel, não precisava. Nossa!
            _ Fui ao supermercado e o vi lá, lembrei de você, “brow”! Você disse que gostava. – dando ao amigo a capa.
            _ Demais!
            _ É! Olha aqui mano, eu sei que isso não vai consertar nada disso que aconteceu, mas eu queria te pedir perdão! Fui eu quem insistiu para que você viesse e...
            _ Não tem o que perdoar. Você não saberia que isso ia acontecer.
            _ Mesmo assim, eu quero seu perdão, “véi”! Você é meu irmão, meu amigão e eu sinto muito pelo que aconteceu.
            _ Não sinta. A culpa não é sua.
            Daniel não insistiu mais.
            _ Amei o cd. Valeu!
            _ Que bom que você gostou!                   
            Chegaram à noite na casa de Daniel.
            _ Quantos dias seus pais ficarão fora?
            _ Dez dias mais ou menos, estão em Floripa!
            _ Ah! Que vida boa!
            Alguns dias se passaram e estava tudo muito bem. Os medicamentos que Thiago precisava tomar foram comprados por Daniel que se sentia na obrigação de ajudar o amigo, apesar deste não tê-lo obrigado a isso.
            Certa noite, Thiago viu que Daniel tinha ido ao banho e resolveu ligar para dona Zita, do quarto de onde estava disse a avó que tudo corria bem e que estava tranquilo com relação ao Daniel, disse também que Daniel lhe presenteou um cd, mas não contou o porquê disso. Dona Zita fazia de tudo para ser a avó mais moderna possível.
            _ Sério? Nossa, que lindo! Eu não disse que ele está meio afim, acho que isso é do subconsciente!
            Thiago olhou para o aparelho celular com uma cara estranha como se não acreditasse que sua avó poderia ser tão adolescente assim. Sabia que ela queria agradá-lo de qualquer jeito e era grato por isso. Essas conversas com ela o divertiam muito e de tão distraído que estava não reparou que Daniel passava pelo corredor.
            _ Dona Zita! A senhora está me surpreendendo a cada dia, está melhor que a encomenda. – ria, mas voltou a ficar meio sério – ele ainda não sabe que gosto dele.
            Daniel ficou estático, com a mão sobre a boca como sinal de espanto pelo que descobrira, pensou em ficar mais para não ter uma interpretação errônea de uma conversa que não escutara direito.
            _ Ele está no banho, agora! Eu, durante esse tempo, pensei muito em que fazer com relação ao que sinto pelo Daniel. Minha amizade com ele é muito valiosa para correr o risco de perdê-la.
            “Ele gosta de mim! É esse o segredo! Meu Deus do céu! Meu amigo é...” – pensava Daniel sem acreditar no que ouvia.
            _ Minha avó... Não... Eu sei. Claro! Eu vou falar com ele sobre isso, mas eu quero estar mais preparado! Ele sabe que tenho um segredo, por causa do sonho que tive com ele e falei enquanto dormia, mas não sabe que era isso. Se desconfiou não me falou, ainda.
            _ Meu neto, enquanto isso você fica aí sofrendo? É sério! Porque você não arruma outro?
            _ Arrumar outro? Eu gosto dele. Só dele. Ele é diferente, é o primeiro e único, mas enfim, agora eu tenho que desligar porque ele está quase saindo banho.
            _ Vê se resolve logo isso. – disse dona Zita
            _ Está bem! Está bem! Até mais.
            _ Não está esquecendo de nada não? – dona Zita perguntou como se algo muito importante estava faltando.
            Thiago pensou, e rapidinho lembrou:
            _ Ah! Sua benção, minha avó!
            _ Agora sim! Deus te abençoe e juízo aí sozinhos, hein!
            _ Ai! Ai!
            Quando desligou o celular e levantou da cama, qual não foi a surpresa de ver Daniel na porta, parado.
            _Gay! – completou o pensamento em voz. – Foi isso mesmo que eu ouvi, Thiago? Você é gay?
           


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quarta-feira, 29 de agosto de 2012

14| O Festival de Inverno.


A noite estava linda. O céu estrelado dava a certeza de que o festival seria um grande sucesso. Havia uma multidão do lado de fora do espaço dos espetáculos, carros passavam devagar por causa da multidão que se espremia para ter acesso às entradas. Não foi diferente para Ricardo, José e Daniel que procuravam desesperadamente vagas. Por um acaso, os dois primeiros estacionaram, praticamente, juntos bem adiante, e Daniel seguiu para um espaço bem mais na frente, ao passar conseguiu identificar os garotos estacionando. Marcou mentalmente a posição. O estacionamento era muito grande e cercado pelo matagal que envolvia o espaço, já que era afastado da cidade.
Os casais estavam planejando um método para poder entrar, ver os melhores lugares, já que apesar da multidão que cercava o local, temiam ficar em lugares desfavoráveis. Não demorou muito para que Daniel e Thiago passassem pelo grupo. Roberta, Flávia olharam disfarçadamente para que Ricardo e José não percebessem. Os dois rapazes não olharam para elas.
O festival de inverno aconteceu numa área gigantesca estruturada intencionalmente par este fim, realizavam –se naquele local, espetáculos de grande porte. Essa era a vigésima sétima edição do festival que era reconhecido nacionalmente e atraía multidões, pois era realizado um só dia. A fachada externa se perdia de vista tanto para direita como para a esquerda. Um letreiro luminoso brilhava bem acima de todos com o nome do local.
Enfrentar a fila era desafio para Jó. Depois de vários minutos esperando, chegaram na entrada. Que havia um dispositivo luz negra. Como foram orientados no ato da compra, exporam a parte de cima da mão esquerda sob a luz e como num passe de mágica surgiu sobre a pele em luz fluorescente o símbolo da festa e do local e data do evento. Após a constatação da veracidade das marcas passaram por detector de metais e uma rigorosa revista. Então, entraram.
O espaço interno era impressionante, a cobertura era semelhante à de um campo de futebol. Luzes e lasers para todos os lados. As sinalizações eram grandes e claras para que tudo corresse muito bem. Era a primeira vez que estavam indo e ficaram todos deslumbrados com a estrutura do local. O complexo ao lado direito era exclusivamente para alimentação, o da frente era para apresentações, entradas sobre tapetes vermelhos e à esquerda camarotes. Era para onde todos iriam.
            O palco ovalado permitia que todos visualizassem as cenas que ali ocorriam, uma passarela de dez metros cortava a multidão para fazê-los delirar com um contato mais direto com o seu artista preferido.
Estavam todos conversando, fotografando, esperando o início dos espetáculos. De um momento para outro tudo ficou escuro, os gritos invadiram o ambiente, só se via flashs e luzes minúsculas de câmeras e celulares. Um som baixo começou a ganhar volume, os corações pulsavam seguindo seu ritmo, perceberam que era o som de batidas de coração que começaram a serem acompanhados de sinais sonoros compassados, seguido de um sinal contínuo, o coração parou de bater. Letras enormes apareceram no telão: DANCE OU MORRA. 
A sincronia das luzes e seus efeitos fizeram a multidão vibrar ao passo de uma batida eletrônica. A abertura do festival foi esplêndida. Efeitos de áudio e vídeo encantaram todos os convidados. O espaço dos camarotes era muito grande, mas tinha muita gente com uma visão mais privilegiada do palco os convidados dos camarotes também tinham ao seu dispor mais variedades de bebidas e serviços exclusivos que foram muito bem aproveitados por todos. A música estava muito boa.
Algumas bandas principais já haviam tocado e Thiago disse a Daniel que iria ao banheiro, pois até aquele momento não haviam se desgrudado, o amigo consentiu com a cabeça. Os banheiros eram num nível abaixo dos camarotes.
Thiago já lavava as mãos quando dois homens entraram no banheiro. Sem pudor algum, o miraram de cima abaixo:
_ Que delícia de “boy”!
Thiago enxugou as mãos e quando ia saindo um o impediu:
_ Aonde vai tão cedo assim, gatinho?
_ Com licença! Eu quero passar, por favor!
_ Calma! – disse o mais forte.
_ O que é que vocês querem? Nem conheço vocês...
_ Vimos você no camarote e vimos como olha para seu amigo. Pensamos que gostaria de participar conosco de um esquema.
Thiago não acreditava no que ouvia.
_ É óbvio que não! Você é doido! Quero passar, sai da frente seu horroroso.
_ Opa! Olha como fala comigo. – empurrou Thiago que bateu no peito do outro homem que era menor que o outro, porém mais forte que Thiago.
_ Olha aqui cara, numa boa! Não quero confusão, só vim me divertir com meu amigo. Sério! Dá licença.
_ E nós? Nós também viemos nos divertir. E vamos nos divertir com você.
Thiago não percebeu que um dos homens havia sacado uma pequena faca, até o momento que a mesma encostou em seu abdômen.
_ O que é isso? – disse assustado.
_ Fica quieto. Não grite. Vamos dar uma volta.
Acompanhado pelos estranhos, o terror havia se apoderado do rapaz de sorriso fácil, e agora em seus olhos se via o medo.
Daniel, percebendo a demora do amigo, desceu do camarote passando por uma escadaria especial de acesso, seguiu direto um corredor e chegou ao estacionamento.
_ É bom aproveitar que o Thiago ainda não voltou e ir fazer o que tem que ser feito. Furar os pneus e esvaziar um tanque, acho que vai dá um trabalho, mas vai valer a pena.
Estava deserto o estacionamento, afinal era uma área muito grande e onde eles haviam estacionado não estava tão perto das entradas. Daniel andou, apressadamente, para achar os carros e deu várias voltas. A noite já havia esfriado muito, um relógio digital marcava 14° C.
Dois homens fortes passaram por ele correndo em direção ao show. Daniel nem prestou atenção, estava concentrado em achar um carro azul-petróleo, afinal, é uma cor pouco usada.
_ Eu jurava que tinha marcado a droga do lugar. Já andei tanto que nem está valendo a pena.
Andou muito, atravessando carros e mais carros, ia e voltava, andava em círculo até que parou perto da cerca que dividia o estacionamento com o lado de fora que era mato e pôs as mãos na cintura.
“E agora?” – pensou.
E pensou pouco, pois foi interrompido por um barulho no mato, se afastou por medo de ser bicho. Tentou visualizar o que tinha provocado o barulho. Forçou a vista.  E desejou não tê-lo feito.
Aproximou-se mais da cerca, porque se não estivesse concentrado, ou não ouvisse o barulho, nem perceberia nada por ali. No escuro percebeu um corpo deitado, largado.
Levou a mão, como se não acreditasse no que via. A primeira vontade que veio foi de correr, e correr para o mais longe dali. Quando deu um passo para trás e virou-se.
_ Alguém me ajude, por favor...
“Meu Deus do céu! Eu não posso deixar essa pessoa aqui assim. Não mesmo! Está frio demais e com certeza está precisando de ajuda”.
Respirou fundo e procurou desesperadamente uma entrada, uma abertura, um a fenda na grade que o permitisse passar, mais a frente havia um portão que estava escancarado, mas de onde Daniel vinha parecia que nem existia. Deu a volta, e se aproximou da vítima.
O estado em que se encontrava era lamentável. A vítima estava semi- nua. O que antes eram roupas, não passavam de trapos rasgados que se espalhavam por toda parte. O vento frio e cortante passeava entre as arvóres.
“Deve ter sido violentado!” – pensou Daniel vendo os panos rasgados.
_ Me ajuda... Alguém! – dizia a voz que murmurava socorro.
Sujo e ensangüentado, foram as primeiras coisas que Daniel viu quando  conseguiu atravessar o mato que o separava da  vítima, seus olhos marejados. Tinha se esquecido completamente do que foi fazer no estacionamento. Abaixou-se e virou devagar o corpo quase branco cheio de arranhões e hematomas, resultados de luta, no pescoço uma mordaça que anteriormente impedia qualquer grito ou manifestação verbal. As mãos e os pés também estavam amarrados. Tinha medo de machucar mais, se é que seria possível.
Quando os olhos da vítima se encontraram com os de Daniel, choraram copiosamente.
Daniel poderia imaginar tudo, menos aquilo. A sensação que teve foi que uma mão grossa e cheia de calos envolvesse seu coração e começasse a esmagá-lo sem piedade.
_ Que bom que você veio. – entre o choro dolorido, o reconhecimento de ter sido encontrado.
Daniel havia encontrado seu amigo mais que irmão, companheiro de todas as horas. Aquele por quem tinha um carinho muito especial, mas não demonstrava muito para não ser tachado de gay. Afinal, demonstrar sentimentos não é coisa de homem.
Thiago estava sujo e ensangüentado no colo do Daniel.
Havia sido estuprado.


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