quarta-feira, 31 de outubro de 2012

48| O pedido.


                     A viagem de volta para casa foi tranquila. No carro, Daniel e seus pais iam conversando sobre trivialidades.
                    _ Se sente bem, meu filho? – perguntou Tereza olhando para trás.
                    _ Sim mãe, estou bem! Põe uma música aí!
             Tereza conectou um pen drive ao som e Daniel se retesou ao ouvir a voz que preenchia o automóvel, ela lhe provocara alguma sensação que não compreendia.
                    _ Quem é? – perguntou curioso.
                    _ O quê? A cantora? – disse Tereza – É Adele.
                    _ Antes do acidente era o que você mais ouvia. – disse o pai – Isso é música de quem está apaixonado ou desiludido.
                    Daniel se identificou com as duas situações, mas não entendia e o pior de tudo que se fosse verdade, por quem seria?
                    _ Se lembrou de alguma coisa? – a mãe olhou sua expressão confusa.
                    _ Não! Só fiquei um pouco esquisito. – sua cabeça recostou-se sobre o apoio do banco e fechou os olhos.
                    Em Pedra Branca, tudo estava normal. As pessoas sabiam que Daniel havia sofrido um acidente e que ficara num estado grave por alguns dias, mas ninguém foi visitá-lo.
                    Quando entraram em casa, João e Tereza olharam para o filho como se dele esperassem uma resposta do que via. Ele se comportava como se não soubesse para onde ir, mas sabia que era sua casa. Tereza, percebendo o filho confuso, mostrou-o a direção do quarto.
                    _ Qualquer coisa nos chame. – disse ela ao deixá-lo.
                    Ele olhou tudo. Uma cama de casal convidava quem entrasse para se deitar, ao lado dela dois criados-mudos com abajur, sobre um o despertador digital marcava as horas, no outro, papéis e um livreto. Ao lado esquerdo da cama havia um computador sobre uma escrivaninha e vários cds, livros, e um porta-treco. Na parte de cima do móvel, havia um porta-retratos que ele não deu muita atenção de início. Viu que havia espaço para uma tv e videogame de última geração.
                    Seus olhos voltaram para uma salinha a parte, ao entrar percebeu que era um closet enorme com portas corrediças e um grande espelho na vertical, nele havia muitas roupas, sapatos e acessórios. Vasculhou algum tempo mais não achou nada demais. Achou bem interessante o espelho deslizar fazendo aparecer uma entrada para o banheiro privativo.
                    Voltou para o quarto e se jogou na cama.
                    “Que quarto legal! – pensou”. Levantou-se e olhou para o porta-retrato. Reconheceu a pessoa com que dividia as fotos da montagem.
                    _ Ele é meu amigo mesmo! – disse que viu Thiago sorrindo numa foto em que estavam na praia.
                    Levantou-se para pegá-lo.
                    _ Você tem visitas. – Tereza entrou no quarto.
                    _ Quem? Ele virou-se para falar com ela.
                    _ Quero ver se você se lembra!
                    Apesar de ser uma boa tentativa e da boa intenção, Daniel já estava cansando de tudo aquilo. “Por que não dizem logos os nomes das pessoas e das coisas logo?” – pensava. E lá foi ele para mais uma tentativa de lembrar quem seria aquele desconhecido.
                    Na sala, uma moça muito linda de cabelos castanhos se levantou quando o viu entrar e o abraçou. O cheiro dos cabelos e o perfume da pele da garota fizeram seus sentidos iluminarem parte de sua memória.
                    _ Roberta... – a abraçou mais forte.
                    Ela, emocionada, chorou de alegria em ver que dele, ele se recordou. Quando olhou nos olhos dela, viu as lágrimas e as enxugou.
                    _ Que bom que você está bem. – disse ela.
                    _ Estou melhor agora que você está aqui. Minha mãe não me contou os nomes de ninguém. Quero te agradecer por tudo que você fez por mim. Te devo minha vida.
                    _ Não me deve nada. Você faria o mesmo por mim.
                    Abraçaram-se mais uma vez. Não havia mais a sensação incômoda de estarem próximos, para eles era um recomeço.
                    _ Você está linda!
                    _ Obrigada! Você também está muito bem. A Flávia mandou um abraço.
           _ Mande outro a ela. Chame para vim aqui em casa. Terei prazer em recebê-la. – disse automaticamente para agradar.
                    _ Pode deixar.
                    _ E... O seu namorado?
                    _ O Ricardo... Está bem, não sabe que estou aqui, mas tudo bem.
                    _ Por que não contou a ele?
                    _ Não deu tempo – mentiu.
                    Daniel parou um pouco e observou o rosto de Roberta. Ela ficou vermelha de vergonha, mas gostou.
                    _ O que foi? – perguntou tímida.
                    _ Seu rosto... – fez um carinho – é a última coisa que lembro que vi depois de apagar completamente.
                    _ Que bom que eu estava lá.
                    Sem terem mais o que falar, Roberta se levantou e se despediu. Daniel a acompanhou com o olhar até suas vistas a perderem na próxima curva.
                    _ Meu amor! – ouviu um grito eufórico em sua direção.
                    Outra garota vinha correndo e o abraçou fortemente, seus cabelos vermelhos não trouxeram recordações, mas pela descrição que Thiago havia feito podia deduzir com certeza quem era.
                    _ Oi Patrícia!
                    _ Lembrou de mim! – seus olhos se encheram de lágrimas – Todos da cidade sabem que você sofreu perda da memória, por isso eu como sua namorada, vim te ajudar. Nossa! Você não sabe quanto lamento que isso tenha acontecido com você.
                    _ Não se lamente, já estou bem. Meu carro está na perícia, estão investigando a causa do acidente.
                    _ Polícia? Sim! Claro! Tem que descobrir sim! – desconcertada – Mas não vamos falar disso. Vamos quero te contar algumas novidades.
                    Puxou-o para o quarto, e enquanto contava as coisas percebeu o quanto Daniel estava diferente. Ele a atendia e prestava atenção quando falava.
                    _ Eu acho que... Está na hora de você ir... – ele disse, não agüentava estar com ela. As coisas que Thiago lhe disse vinha em sua cabeça e não só por isso, ela era muito inconveniente. Não queria falar nada agora.
                    _ Meu amor, nosso namoro acabou de passar por...
                    _ Desculpa! Desculpa! – ele a interrompeu.
                    _ O que foi?
                    _ Não me chame de “meu amor”?
                    _ Como assim querido? Nós ainda...
                    _ Não! Não somos nada. Eu me lembro muito bem que terminamos.
                    _ Como você pode se lembrar de uma coisa que não aconteceu? Você está enganado.
               _ Perdi a memória, mas me lembro de certas coisas. Não sou idiota Patrícia, se você me amasse de verdade, não mentiria para mim.
                    _ Mas...
                    _ Se fosse minha namorada mesmo, por que não ligou para mim esses dias que estive fora? Não deixou recado com minha mãe...
                    _ Eu...
                    _ Eu nada. Me faz um favor. Se retire do meu quarto e da minha casa. Você é falsa demais. Querendo se aproveitar de minha debilidade para se dar bem.
                    Ela viu que não funcionou tudo como havia tinha planejado.
                    _ Você só perdeu parte da memória? Só pode ter perdido isso mesmo porque não pode perder o que nunca teve: educação.
                    _ Vou te acompanhar até a porta – fez sinal para que saísse.
                    _ Você deve ter lembrado do seu queridinho Thiago então...
                    _ Deixa de ser idiota.
                    _ Claro, pelo que já fizeram... É bem provável que se lembra dele mesmo.
                    _ Cala a boca. Sai daqui.
                    _ Espero que você não tenha se esquecido do que te disse antes de você me deixar.
                    _ Não faço questão de lembrar coisas que não valem a pena.
                    _ Pois se eu fosse você lembraria... Antes que você perca a memória de novo e não a recupere mais.
                    _O que você quer dizer com isso? É uma ameaça? – disse rindo incrédulo - É isso?
                    Ela não disse mais nada. Saiu sem esperá-lo abrir a porta.
                    _ Essa menina é doida. O que ela quis dizer com isso tudo?
                    Foi a cozinha onde Tereza estava.
                    _ Mãe, eu estou um pouco indisposto, não estou para ninguém. – ia saindo quando fez a ressalva – Só para a Roberta.
                    Entrou no quarto, ainda pensando no que Patrícia tinha dito. Ligou o som, e percebeu que seus pais estavam certos sobre a última coisa que ouvira antes do acidente. Olhou o porta-retrato e viu Thiago rindo com ele em diversas ocasiões.
                    _ Esse menino tem alguma coisa diferente. Será que ele é mutante? Bruxo? – gargalhou sozinho – Sou muito bobo! Ele podia morar aqui...
                    Em São Paulo, Thiago se encontrava com Júlia que o fazia esquecer-se de tudo. Por causa da amnésia, Daniel não ligara mais para Thiago. Os trabalhos também ocupavam seu tempo. E aos poucos ia acontecendo o que o tempo é mestre em fazer...
                    _ A campanha vai sair amanhã. – disse Guillermo ansioso depois de ter desligado uma ligação. – Estou nervoso. Amanhã, Thiago, seu rosto vai estampar todos os outdoors de São Paulo e do Brasil, lojas, franquias, catálogos, revistas, jornais e em breve comerciais.
                    _ Calma! – disse o modelo disfarçando o nervosismo – Vai dar tudo certo.
                    _ Claro que vai! – disse Júlia abraçando o rapaz – Temos que nos preparar para o lançamento hoje à noite.
_ Sim! Sim!
_ Vamos que ainda tenho que te maquiar. – disse Guillermo.
                    A festa de lançamento foi num hotel muito famoso da capital paulista, onde muitas celebridades e pessoas importantes apareceram. Muitos cumprimentaram Thiago pelo trabalho, houve assédio por parte de algumas famosas, mas nada tirava atenção do modelo da amada. E depois de toda apresentação, aconteceu uma festa com dj’s e muito som.
                    Thiago estava muito feliz, mas meio triste porque havia chamado sua avó, dona Zita, para participar, mas ela não quis viajar. Estava ocupada com as amigas do karaokê. Apesar disso, fez o que estava planejando a tempos.
                    _ Olá! Olá! Oi! Desculpa interromper a festa! – disse ao microfone – Estão gostando?
                    Um barulho tomou conta do local, Thiago encarou como um sim.
                    _ Que bom! É muito bom tê-los aqui. Quero agradecer a todos que vieram e dizer que esse trabalho é o resultado da atividade de uma equipe maravilhosa, não é Guillermo?
                    O produtor levantou a taça de champagne.
                    _ Mas não é disso que quero falar agora. – olhou para o público como se procurasse algo, então desceu do palco, uma luz acompanhava seus passos que seguiam devagar – Hoje quero falar de uma pessoa super especial que entrou em minha vida.
                    As pessoas foram ao delírio.
                    _ Que fez esquecer-me das coisas ruins desta vida. Que me acompanha sempre. Me faz crescer, e me completa. De Júlia, que me faz viajar sem sair da Terra. Que seu olhar me tirar a respiração. Júlia, o seu sorriso tem um poder sobre mim que me faz feliz. Sua presença, sua companhia é algo que não consigo descrever. Sou péssimo com as palavras, ou então elas não são capazes de descrever o que é estar um momento com você.
                    Ele chegou perto dela que estava vermelha de vergonha. Não sabia o que fazer quando se viu num círculo de pessoas que acompanhavam a cena. Thiago se ajoelhou, ela pôs a mão na boca, não acreditava.
                    _ Se elas não conseguem descrever um momento – entregou o microfone para Guillermo que estava do lado e segurou para que ele continuasse falando – Quanto mais uma vida. A minha vida. Que eu quero compartilhar com você.
                    Sacou do bolso a famosa caixinha e expôs um par de alianças douradas.
                    _ Deixa eu te fazer feliz como você me faz? Casa comigo?
                   
Continua...
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sexta-feira, 26 de outubro de 2012

47| Sessões.



                    _ Daniel, como você não se lembra de mim, mas se lembra de uma mania minha?
                    _ Não sei! – seu rosto estava confuso – Juro que não sei como sei.
                    _ Como assim não sabe? Você não se lembra de mim, mas se lembra de uma mania minha que nem tem importância. Como não sabe?
                    _ Não sei, eu já disse! – se irritou – Droga! Só sei que quando vi os livros eu pensei nisso, então falei o que me veio na cabeça. Você acha que mentiria para quem tem mais me ajudado?
                    Thiago não quis continuar a discussão, Daniel estava chateado e confuso, mas não pôde deixar de pensar que seu amigo estava fingindo.
                    _ Está bem! Desculpa! Foi a expectativa de te ver se lembrando de tudo me fez...
                    _ Tudo bem! Também não é para tanto, mas é sério que você leva os livros para qualquer lugar, mesmo sabendo que não irá lê-los?
                    _ Sim! É um costume que você considera...
                    _ Uma bobagem. – disseram juntos.
                    _ Você está quase lembrando... – considerou Thiago.
                    _ Talvez, mas me deixa te perguntar.
                    _ Porque eu levo os livros mesmo que não vou ler?
                    _ É sim! Como sabe? Por acaso você lê mentes?
                    _ Você sempre pergunta isso? É um pouco previsível... Eu não sei só os levo. – parou um pouco e olhou para o amigo – Olha para mim e me diz que você não está fingindo Daniel.
                    _ Você não confia em mim mesmo não é? Só lamento que você não possa entrar em minha mente e vagar pelo vazio que ficou depois do acidente. Não tenho motivos para ficar fingindo e deixar as pessoas que mais gosto numa expectativa idiota.
                    _ Vamos assistir.
                    Os filmes já eram meio antigos muito deles Thiago já havia assistido com o próprio Daniel.
                    _ Você quer escolher? – perguntou tentando suavizar a situação.
                    _ Pode ser este aqui. Gosto de ação.
                    _ Com Ben Affleck, bem sugestivo. Esse filme fala de perda de memória. É um bom filme, gosto dele também.
                    _ Já assistiu?
                    _ Não. – mentiu.
                    O filme começou e quando chegou à metade, Thiago virou-se e viu o amigo dormindo, algo que antigamente não acontecia.
                    _ Você podia se lembrar da gente, não é? – sussurrou e levantou-se para desligar a tv, não assistiria mais, no escuro do quarto, sussurrou de novo – Não, é melhor ficar do jeito que está. Sua nova vida será melhor sem um tanto de nós dois.
                    Daniel abriu os olhos na escuridão tentando entender o que ele dizia, mas não se moveu. Os dois demoraram dormir, nem sabiam que estavam ambos acordados, até que Daniel se levantou e saiu do quarto, Thiago depois de um tempo o acompanhou. Estava na sacada da casa, a maré alta vinha até as pedras e voltava, vinha e voltava persistente. Era uma noite agradável e não fazia frio.
                    Sentado numa cadeira, mirando o céu estrelado, Thiago encontrou o amigo. Sentou-se numa cadeira ao lado.
                    _ Sem sono?
                    _ Um pouco. Como Pedra Branca não tem mar, gosto de me levantar e vê-lo à noite também.
                    _ Hum. É um espetáculo por si só.
                    _ O que eu queria mesmo era me lembrar de tudo. Porque isso tinha que acontecer comigo hein?
                    _ Aprendi que as coisas sempre acontecem com um propósito. Talvez nem os entendemos à principio, mas com o tempo ficaram claros.
                    _ Quando você vai à Pedra Branca?
                    _ Não sei, mas você ainda vai me ver.
                    _ Vou encarar isso como uma promessa.
                    _ E é! Volto para São Paulo hoje.
                    _ É... E talvez ainda não tenha me lembrado de você.
                    _ Não se preocupe...
                    Silêncio.
                    _ Eu já fiz alguma coisa ruim para você?
                    Eles não se olhavam, só viam o mar, e apesar do escuro se encarar seria meio constrangedor.
                    _ Que pergunta é essa?
                    _ Sei lá. Só por causa do lance do livro você quase me fez jurar que não estava mentindo para você, então talvez em algum momento te decepcionei a ponto de hoje não ter mais sua confiança plena.
                    _ Não que eu me lembre.
                    _ Amnésia não é contagiosa, essa desculpa não cola.
                    Riram.
                    _ É sério. Claro que você não é uma pessoa perfeita, mas não me magoou em nada, e se um dia fez já te perdoei.
                    O mar se agitava sobre as pedras como se a qualquer momento fosse invadir a casa de maneira sutil.
                    _ Vamos entrar, está ficando muito tarde. Precisamos dormir.
                    Quando o dia amanheceu, os garotos estavam dormindo a melhor parte do sono, quando Tereza entra no quarto e os acorda fazendo o convite para café da manhã, foi atendida alguns minutos depois, na sacada uma mesa cheia de comida de todo tipo, das mais leves às mais fortes. Era muita abundância.
                    _ Dona Tereza, o mar te inspira, hein? – Thiago disse.
                    _ Tem que aproveitar essa vista linda. A natureza sempre faz bem a gente. Dormiram bem?
                    _ Sim e como! Só para constar, o Daniel perdeu a memória, mas não perdeu a mania de babar enquanto dorme.
                    Daniel o fuzilou com o olhar, e agora não o via mais como desconhecido, afinal haviam passado o dia todo juntos conversando, mas em sua cabeça algo faltava nisso tudo.
                    _ E você ainda fala. Nunca vi conversar tanto. – todos o olharam – Não! Não lembrei, só não dormi porque não consegui, simplesmente com as conversas sem nexo deste jovem.
                    _ E o que ele conversou? – perguntou curiosa Tereza.
                    Daniel olhou para Thiago que entendeu que devia ter dito alguma bobagem. Acenou.
                    _ Nada. Ele não falou nada. Nada que eu entendesse.
                    _ Antes que ele entenda, voltarei hoje para São Paulo, não posso mais ficar.
                    _ Ah meu filho, fica mais um pouco só vamos amanhã. – disse Tereza.
                    _ Infelizmente não posso minha tia. Tenho que ir.
                    _ Ele tem que encontrar com a namorada. – disse Daniel.
                    Thiago o olhou.
                    _ Quem é a sortuda. Olha, olha, não pode ser qualquer uma. Dona Zita não está aqui, mas eu tenho que aprovar também.
                    _ Daniel está de brincadeira. – disse Thiago - não é namorada.
                    _ Pois parecia.
                    _ Daniel... – disse a mãe – Se ele não quer contar tudo bem, mas vê se faz tudo com juízo, hein? Não quero neto por agora.
                    _ Pode deixar.
                    O café da manhã passou e chegou a hora de Thiago voltar para São Paulo.
                    _ Tenho que ir mesmo.
                    _ Que droga! Estava tão legal. Qualquer coisa se não der para você nos visitar em Pedra Branca, eu venho te ver. – Daniel disse fazendo Thiago estremecer com a ideia. – Você se despediu de minha mãe?
                    _ Sim! – bateu as mãos nos bolsos – Deixe-me ver se tudo está aqui, acho que sim! Então me vou.
                    _ Mais uma vez, obrigado por tudo, sua atitude foi realmente de um amigo.
                    Thiago riu forçadamente. Não queria ir. E se perguntava naquele momento o que é que mudava dentro dele quando se aproximava do Daniel.
                    _ Eu...
                    Ia falar alguma coisa para não ficarem em silêncio quando foi interrompido pelo abraço do Daniel. Um abraço grato. Abraçou-o com força, abaixando o nariz para sentir o cheiro do amigo que demoraria a ver. Queria gravar tudo aqui. Daniel registrou a intensidade de Thiago e compreendeu, afinal nem tinha se lembrado dele.
                    Depois se afastou rapidamente e saiu sem dizer mais nada.
Continua...
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quarta-feira, 24 de outubro de 2012

46| Contando história.


                    _ Chega mais!
                    “Ai meu Deus, ele se lembrou de tudo! E agora?” – pensava nervoso a cada passo que dava.
                    Daniel se levantou e então um ficou de frente para o outro.
                    _ Pelo jeito se lembrou de mim...
                    Daniel riu.
                    _ Não! Na realidade, quando eu disse para minha mãe do rapaz do hospital, ela demorou um pouco para se lembrar de você. Afinal eram tantas pessoas. Eu a ouvi falar de você para o pessoal, eu estava entrando, indo à cozinha quando ela disse que você era tão meu amigo que éramos quase irmãos.
                    Thiago reparou o tempo verbal que ele usou.
                    _ É... – olhou para a areia.
                    _ Insisti com minha mãe para que você viesse porque... Talvez... Por termos sido muito amigos a ponto de sermos irmãos, pudessem me ajudar a lembrar ou apenas dizer como eram as coisas. Se você quiser, claro.
                    _ O que você ouviu falarem de mim?
                    _ O suficiente para acreditar que era isso mesmo. E acima de tudo, foi minha mãe quem disse.
                    Thiago ficou mudo, como se esperasse uma resposta mais clara. Daniel fez uma cara de impaciência.
                    _ Está bem! Disse que éramos muito ligados, estudávamos juntos, e sempre um estava na casa do outro. Um tempo antes do acidente fiquei estranho e um pouco anti-social, mas depois ela percebeu que era porque você era meu único amigo... De verdade. Ela mentiu?
                    _ Não. – respondeu recordando em num instante alguns momentos – Ela falou a mais pura verdade...
                    _ Ah... Então está explicado. – olhando para o nada como se algo fizesse totalmente sentido.
                    _ O quê? – observou que o rapaz vagava em pensamentos. – O que faz sentido?
                    _ Ahn? Nada! Nada não. Vai me ajudar, meu amigo?
                    _ Engraçado!
                    _ O quê?
                    _ Não que seja, mas me parece tão... Forçado quando você me chama de amigo. Antes não era assim.
                    _ Está muito na cara? Pensei que te chamando assim ficaria mais fácil de me ajudar.
                    _ Ficou bajulador agora?
                    _ E não era?
                    Thiago olhou para o amigo e viu uma nova chance de recomeçar a amizade.
                    _ Eu confio em você. – Daniel o surpreendeu com a declaração – Sei que me dirá a verdade. E mesmo que eu não me lembre da nossa amizade, você se lembra e para mim isso já é suficiente.
                    _ Senta aí garoto vou te contar uma história.
                    Daniel sorriu e sentou-se prontamente, seu comportamento mudara e Thiago havia percebido isso. Era o mesmo, mas estava de alguma forma diferente.
                    _ Começo por onde? – sentando-se ao lado dele.
                    _ Pode ser pelo começo. – riram.
                    Thiago havia chegado de manhã, e passou o dia inteiro contando coisas e situações, namoradas e passeios e brigas e viagens, não pararam nem na hora do almoço, e Tereza incentivava para que ninguém interrompesse a sessão nostalgia, levou o almoço até eles que conversavam animadamente. Andavam pela orla, e voltavam e sumiam nas curvas da praia.
                    _ Então fomos juntos para o Festival de Inverno que acontece lá cidade vizinha?
                    _ Sim! – Thiago olhou para o mar tentando não demonstrar nenhuma sensação – Foi muito bom! Foi a primeira vez que fomos, e foi uma festa maravilhosa.
                    _ Que bacana! As bandas e tudo que você me contou. Só desagradável foi a situação lá com a minha ex, que deselegante! – riu – E o que fizemos depois do show?
                    Respirou fundo, fingindo tentar lembrar.
                    _ Voltamos para sua casa e ficamos lá.
                    _ Fazendo? – perguntou curioso.
                    _ É... Curtindo a ressaca e assistindo filmes e séries na tv.
                    _ Só?
                    _ Sim! Claro! Já te falei sobre os filmes, nossa coleção de DVD’s e a sala que temos lá em casa em Pedra Branca.
                    _ É verdade... Havia me esquecido!
                    _ Depois tive que ir embora, mas isso não importa. Então você começou a namorar a Patrícia que é uma louca, quando você voltar não se aproxime dela e tome cuidado. Não fale com ela.
                    _ Mas porque eu namoraria uma doida como você diz?
                    _ É... Ah... Sei lá. Isso não deu tempo de você me falar, mas não demorou muito e você terminou com ela. Era muito possessiva.
                    _ Então está explicado. Odeio mulher possessiva.
                    Thiago pensou no que falar.
                    _ Quando tive que me mudar para cá você me apoiou, porque sabia que era um sonho meu, e me ajudou em todo momento. Quero até te agradecer mais uma vez pelo que você fez por mim, acho que você deve ter esquecido que eu agradeci e ainda sou muito grato.
                    _ Dá para ver que você merece tudo que conquistar! Se me esforcei antes para ajudá-lo é porque mereceu.
                    Os dois olharam para o mar. Parece que a história havia chegado ao atualmente, pois não falavam mais.
                    _ Estou pensando aqui... – Daniel levantou a sombrancelha.
                    _ O que foi?
                    _ Nós éramos como irmãos e eu só tinha você como amigo de verdade?
                    _ Sim! Por quê?
                    _ Acho que voltei um pouco mais egoísta.
                    _ Por quê?
                    _ Se fosse eu, não deixaria você ir embora. – ele agia como se houvessem dois Daniel - Poxa! Você era o único amigo que eu tinha, apesar de popular como você disse, ninguém era meu amigo de verdade. Hoje sei disso porque ninguém apareceu no hospital quando estava lá. Minha mãe não me apresentou ninguém.
                    Thiago não disse nada.
                    _ E mais: não fiz nada para não impedi-lo? Nem pedi para que ficasse?
                    _ Não, claro! Você pediu, mas conversei com você e aí você concordou. – Thiago quis mudar de assunto – Não sei se você vai se lembrar, mas para onde você estava indo quando sofreu o acidente? Porque a Avenida dos Navegantes é quase saindo da cidade.
                    _ Pois é... Não lembro! Acho que minha mãe mencionou alguma coisa, mas não me recordo agora. Tem mais alguma coisa para me contar?
                    _ Acho que não! Não que eu me lembre...
                    _ Engraçado como o destino põe duas pessoas juntas de novo não é?
                    _ De quem você fala? – Thiago olhou para ele.
                    _ De quem poderia ser? De mim e da Roberta, não é? Como tinha que ser ela que estava ali para me ajudar no momento do acidente... Apesar de estarmos separados agora, sinto que nossa história não acabou como parecia...
                    _ Sério? – riu Thiago descrente.
                    _ Claro. – deu uma pausa – Obrigado por ser sincero comigo. Você provou realmente ser meu amigo.
                    _ Só estou cumprindo o que prometi.
                    _ Só tenho uma última dúvida e não vou incomodá-lo mais.
                    _ Pode perguntar.
                    _ Eu perguntei minha mãe, mas nem ela soube me responder como aconteceu direito. Só disse que voltei para casa com o dedo assim. – levantando o dedo indicador da mão direita que tinha uma cicatriz de corte – Como estudávamos juntos, talvez tenha visto como arrumei essa cicatriz no dedo. Só reparei no hospital.
                    Thiago nunca tinha reparado que o amigo também tinha a cicatriz de uma noite de verão num acampamento da escola.
                    _ Que coincidência! – disse – Também tenho uma cicatriz dessa.
                    _ Uau! Que doido! Como conseguimos cicatrizes iguais?
                    _ Não sei!
                    _ Thiago – mirou-o com olhar desconfiado – Perdi a memória, não a inteligência! Pode contar.
                    _ É porque...
                    _ Eu quero saber... Conta. – insistiu.
                    Thiago, depois de um tempo pensando como falar talvez, levantou o dedo indicador direito e pôs sobre a cicatriz do Daniel. Sorriu. Daniel juntava as peças tentando compreender.
                    _ Por causa disso que estou aqui meu amigo. Da promessa que te fiz de nunca te deixar sozinho e compartilhar com você os bons e maus momentos.
                    _ Um pacto de amizade... – disse Daniel.
                    Thiago afirmou com a cabeça.
                    _ Você chegou falando que queria fazer um pacto de catchup, seu dedo estava pingando, mas como você estava com a embalagem na mão não levantei a suspeita, mas como eu queria que fosse verdade, eu me virei e cortei meu dedo e pus o molho em cima para você não desconfiar, você teve a mesma ideia. Então, pactuamos fingindo não ser verdadeiro, mas sabendo ambos que era um pacto de sangue entre amigos. Uma semana antes tínhamos assistido a um filme que os amigos faziam um pacto assim.        
                    _ Uau! Que legal agora realmente tudo faz mais sentido.
                    _ O que é que faz mais sentido que você fala tanto?
                    _ É que...
                    _ Eu confio em você. É meu amigo, mesmo não lembrando disso.
                    Daniel parou, como se ensaiasse mentalmente o que dizer.
                    _ Quando eu acordei, e te vi lá no quarto não te reconheci de verdade, mas tinha algo que me fazia saber que... – se enrolou nas palavras – não sei como explicar, é esquisito, porque parece que é algo que está fora do natural, sabe?
                    _ Sei sim! Às vezes coisas sobrenaturais acontecem mesmo.
                    _ Me senti bem, sabia de alguma maneira que você era amigo, mas não queria correr risco. Tudo é meio gay, não é?
                    _ Sim! Bem gay para dizer a verdade, mas crianças não podem ver nada na tv e querem fazer igual não é? – disse se distanciando.
                    O celular do Thiago tocou.
                    _ Desculpa, só um momento. – Daniel fez um sinal de “tudo bem” - Oi, Ju! Estou no litoral com o meu amigo, aquele que te falei. Então... Pois é, não sei ainda. Vou ver aqui como vai ser. Sim. Sim. Está tudo bem, eu estava conversando com ele algumas coisas que passamos juntos. É... Que nada, amor! Quando eu chegar a gente conversa também. Eu estou morrendo de saudade de você. Está bem, assim que der e eu chegar te ligo na hora, está bem? Te devo uma massa ainda. Ok! Um beijo.
                    Daniel escutou tudo.
                    _ Sua namorada?
                    _ É sim! Digo, ainda não oficialmente, mas não sei.
                    _ Como é o nome dela?
                    _ Júlia.
                    _ Lindo nome.
                    _ É sim... Bem, já está escurecendo, preciso ir para casa.
                    _ De jeito nenhum.
                    _ Como de jeito nenhum. Dorme aqui hoje, a gente pode assistir a uns filmes. Tem filmes muito bons aqui, eu acho.
                    _ Você sabe mesmo como me tentar.
                    _ Acho que disso eu não esqueci! – riram.
                    Depois de chegarem a casa, Tereza mostrou para Thiago onde ficava o banheiro e o quarto, depois de vários abraços por saber que dormiria ali.
                    O jantar foi bem divertido com Carol dando investidas no Thiago, o tio do Daniel meio bêbado por causa do vinho e Tereza querendo manter a ordem.
                    O quarto que eles dividiriam era grande e tinha uma Tv e um DVD para verem os filmes. O Thiago pegou a bolsa que havia trazido prevendo que ficaria e a virou de cabeça para baixo, algumas peças de roupa caíram e dois livros.
                    Ao ver os livros, Daniel não resistiu.
                    _ Você ainda continua com essa mania de levar livros para onde você vai independente se irá lê-los ou não?
                    _ Ah! Você sabe que tenho essa mania desde... – a ficha caiu – Espera aí. Como é que você se lembra disso?
Continua...
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